Releitura dos conceitos: narcisismo e subjetividade
Resumo
EU:
Para a psicanálise o ‘eu’ é um problema.
Isto é: ‘EU’=PROBLEMA!
É uma encrenca tão grande que depois de estudá-lo se acaba por desejar não tê-lo.
Pode ser a imagem refletida no olhar dos pais que amam seus filhos.
Mas pode ser equívoco, engano ou erro, tomar como certas e bem-vindas, as nossas vidas nas vidas que são vistas no olhar de alguém que (supostamente) nos ama.
O eu pode ser também a primeira forma de representar mentalmente a dispersão contínua do físico e do perceptivo: uma espécie de memória fixa, um esforço de integração.
Todo eu tem culpa, sem ela ‘ele’ não é ‘eu’.
Porém eu com muita culpa já é sinal de grande confusão; este estado tende ao narcisismo que, por sua vez, já é domínio do outro, ou seja: já é área de super-eu.
‘Eu’ que é ‘eu’, é ‘eu’ na medida. Isto é, é um ‘eu’ triste.
Será somente aí, nessa pequena área do entristecimento, nessa ínfima mesa de trabalho - não maior que o tamanho da luz que uma vela ilumina - que poderemos ter alguma chance de falarmos em nome próprio, e de desenvolvermos, assim, alguma subjetividade.
Narcisismo e subjetividade
Narcisismo é olho vazio, pedinte, pobre, sem referência. É reflexo, imagem, perdição ótica. Desespero que alguém me diga quem e o que sou. É repetição de modelo. É fixação do que não permanece, é mandato do outro, na falta de podermos e sermos capazes de esperar anos até sabermos quem somos.
Narcisismo pode vir a ser uma doença, isto é, o ‘eu’ doente de si mesmo. É aquele ‘eu’ cheio de si, cheio de hubris - até não poder mais, como Agamêmnon e Orestes - é um ‘eu’ obeso. O peso do exagero gera, por si só, narcisismo; e este último, por si só, desejo de morte. Aqui se misturam amor e morte, nas proporções mais morte que amor. No narcisismo só se usa amor para dar a liga na massa preparada pela morte. É o que Freud dizia: Eros liga tudo, mas não ajuíza sobre o que liga. Se o pé ficou na orelha, bem está ligado, não importa como.
Por outro lado, narcisismo nada mais é que uma reação de defesa contra o ódio do grupo, neste ponto Bion tem razão: o ‘eu’ vem do medo. Creio que Bion, ao afirmar isto, repete Klein e acho que Lacan repete os dois quando fala da paranóia, lugar onde situa o ‘je’ ou o ‘moi’ – instancias de equívoco e, sabe-se lá, qual é a pior das duas.
Como? Basta olharmos detidamente o grupo e ver o quanto este último odeia o indivíduo. Logo, mesmo que não viva sem ele, a forma que o indivíduo tem de se proteger desse evento, é formular uma área onde ele é o rei, é o deus pai e seu próprio filho perfeito.
O ‘eu’ pode também ser apenas uma forma de representar o corpo em sua dispersão contínua do físico e do perceptivo: uma espécie de memória fixa, livre daquilo que não suporto em mim.
Quando eu digo: “eu sou”! Não há Lacan que resista, já que alguém (ninguém) assim se insinua em sua enunciação, resista ao desejo de perguntar, então: “Che vuoi?”. Mesmo porque só pode ser a um 'eu' que assim se nomeia a quem se dirige essa interrogação que pode perguntar sobre o que o sujeito deseja de seu desejo e o que seu desejo deseja.
Na obra psicanalítica em geral o ‘eu’ é sempre o culpado, isso também é algo que se deve levar muito em conta, pois nem sempre o 'eu' está disposto a assumir a culpa, menos ainda assumir a responsabilidade que lhe resta ou que lhe sobra.
‘Eu’ sem culpa não é 'eu', e, 'eu' com muita culpa é 'super-eu'.
‘Eu’ que é ‘eu’, é tipo eu de poeta. A melancolia é um sentimento raro, se bem dosada, deveria ser mais abertamente cultivada.
Ficar anti-deprimido não é ficar alegre. Estão aí os psiquiatras que não me deixam mentir.
A alegria precisa da tristeza para ser alegria, senão só pode ser euforia ou excitação ou, ainda, anti-depressão.
Às vezes, chego a pensar que sem um ‘eu’ não haveria a culpa.
Apesar de que muitas outras vezes eu possa ver que a culpa é uma forma de matar ao ‘eu’.
Assim sendo, o ‘eu’ é, talvez, o primeiro sinal visível da primeira acusação, o primeiro responsável por um ato condenável: ‘eu’, causa de tudo.
Com isto encerro dizendo: o ‘eu’ é o primeiro a poder ser dito culpado. E acrescento repetindo: ‘eu’ é esse isso que chamamos de alguém; em sua culpa, acusado de ser a causa do mal do mundo. E é essa culpa que transforma esse ‘eu’ não em um homem, mas sim em mais um mártir. Um homem que não sabe nada de si, nem de sua (ligeira) transcendência. Ele não é, ou melhor, só é se sofrer e se for sacrificado. Donde o masoquismo e o gozo, onde a dor vale mais que o viver.
Dr. Tomazelli
quinta-feira, 8 de janeiro de 2009
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