quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

sobre o conhecimento.

O bicho hôme:

epistem-
n elemento de composição
antepositivo, do gr. epistêmé,és 'familiaridade com uma matéria, entendimento, habilidade; conhecimento científico, ciência', em uns poucos voc. do sXX: epistema 'ciência', epistêmico, epistemologia, epistemológico, epistemólogo

episteme
n substantivo feminino
Rubrica: filosofia.
1 na filosofia grega, esp. no platonismo, o conhecimento verdadeiro, de natureza científica, em oposição à opinião infundada ou irrefletida
2 no pensamento de Foucault (1926-1984), o paradigma geral segundo o qual se estruturam, em uma determinada época, os múltiplos saberes científicos, que por esta razão compartilham, a despeito de suas especificidades e diferentes objetos, determinadas formas ou características gerais [O surgimento de um nova episteme estabelece uma drástica ruptura epistemológica que abole a totalidade dos métodos e pressupostos cognitivos anteriores, o que implica uma concepção fragmentária e não evolucionista da história da ciência.]

epistêmico
n adjetivo
1 relativo a 1epistema ou episteme (conhecimento ou saber como um tipo de experiência); puramente intelectual ou cognitivo
2 subjetivo
3 Rubrica: filosofia.
m.q. cognitivo



O que governa o homem é a curiosidade, depois a destruição se apossa de tudo, inclusive do acasalamento e do sexo! As forças do mal operam contra a gnose, contra o conhecer. Trocando em miúdos: o impulso ao conhecimento tem como oponente o impulso de destruição de sentido que funciona sem controle dentro de cada mente humana.
O sujeito psicológico e o epistêmico separam-se apenas pela diferença que há entre agir e atuar. Ao sujeito psicológico é o ato o que lhe cabe – o desmedido! – possessão, paixão. Ao sujeito epistêmico é a ação, meticulosa e espontânea (não pensada), mas de pura precisão, pertence ao mundo daqueles que têm capacidade de experimentar o “agora” e reconhecer a importância do outro na vida de cada um.
Como distinguir um sujeito do outro, mesmo que seja possível estuda-los separadamente? A ação é o real digerido pelos sistemas de significação - por isso é que no agir o homem se desnuda e revela sua ética. É no agir que se verifica a solução que a mente decidiu executar. Piaget nos indica esse caminho; inteligência e ética! Ética é inteligência. Fora disso a insanidade, o corpo entregue “ao deus dará”.
Em nosso interior reside o mal, pois é da degradação que começamos. Partimos do menor, do mais imediato, daquilo que não espera. Não espera, nem quer nada de nós além de que não queiramos nada... Desejo monótono.
Quem somos nós quando agimos? Quando agimos, agimos ou atuamos? Agimos ou somos agidos? Como a ação pode transformar-se em ato insano? Essas questões são freqëntes em minha mente.
Por vezes me respondo:
-As ações são saudáveis somente quando elas se sobrepõem ao sujeito, ao seu narcisismo, fazendo-o fazer algo que leva em consideração a existência da espécie (incluisive ele mesmo) como sendo algo de suma relevância e que ele deve levar em conta para agir.
-Atuar, que seria o agir que adoeceu, é sair do ponto onde algo em nós é da ordem da subjetividade e migrar para outro ponto que é da ordem do narcisismo (que é a ilusão heterônoma) e, portanto obedecer a ordens internas desmedidas, dadas por "outros" que nos habitam sob a forma da identificação.
Para a subjetividade, isto é, para a pessoa ela mesma, que sabe a dureza da vida e da sua implacável indiferença ao nosso destino, sobra uma só solução: topar a empreitada!
A vida é só para aqueles que são capazes de responder com responsabilidade[1] ao que o ambiente suscita, enfrentando da melhor forma a turbulência das soluções escolhidas. A ação é adequada quando envolve recolhimento e reverência diante do desamparo. Jamais arrogância, intolerância, hybris. Autonomia resulta em subjetividade, subjetividade em liberdade, liberdade em responsbilidade, por mim e pelo outro.
Heteronomia aponta para o narcisismo, para a obediência a ordens dadas internamente que forçam atos desmedidos, e que nos conduzem ao atuar destituído de pensamento e respeito pelo mundo. A atuação é o que dá a falsa autonomia, é aquilo que nos faz heróis loucos que se realizam no mundo das alucinações que a máquina da imaginação constrói e sustenta.
Como diferenciar então autonomia de heteronomia? Como diferenciar sujeito vivo de Narciso morto. No romance de Albert Camus, Meursault, o personagem principal de O Estrangeiro, como um anjo wildeano, age porque o sol reflete de modo intenso na areia ardente e age:

“Meursault vai até a praia com Marie e Raymond e por pura inércia é levado a uma confrontação sinistra com um árabe, inimigo de Raymond. Em um momento de exaltação ou demência, incitado pelo sol na areia ardente e impedido pelo árabe de chegar até a fonte de água fresca, Meursault o mata com cinco tiros da pistola de Raymond. “ (Shattuck, 1998)

De quem foi a ação: do sujeito epistêmico ou do sujeito psicológico? Como separá-los? Como desmembrá-los e distingui-los? Certos gestos, certamente, nos lembram algo do demoníaco, algo do sombrio! Algo desse anjo sem paixão, desse anjo apático e eficaz. Se a ação é, num certo sentido, a única verdade do sujeito, quem pode responder por atos sobre os quais não se tem intenção nem sequer controle? Não seriam esses atos atuações e não ações?
Sem culpa não há vida, logo sem resposnáveis não há humanidade.
Se a construção da inteligência aponta para o inacabado, que é o próprio futuro em seu estado de expansão infinita, aponta também, infelizmente, para uma possível descoberta desse futuro com já conhecido, usando uma lógica psicótica apoiada em um passado de ações que ficaram retidas em nossa musculartura e que não passam pelo processo de simbolização, ficando assim proibidas de serem transformadas em fórmulas matemáticas de evolução da espécie.
Estarmos esticados sobre um abismo ladeado pelo desconhecido e pelo já vivido. Dois cumes que demarcam a nossa fenda essencial: memória e ausência de conhecimento, um base do outro. Do lado do devir a cognição, aberta a todos os possíveis. Do lado da memória o ser previsível, adivinhado pelo místico narcisista, apoiado nas leis da não ignorância e do não luto, o homem já sabido, previsível e prédestinado ao lugar da imagem que mito, a religião ou a ciência lhe impõem.
Assim o paradoxo: devir ignorado versus previsão adivinhada.
Com isto talvez possamos estabelecer uma oposição entre singularidade e narcisismo. A primeira apontando para a ciência trágica, viva e verdadeira, da culpa e das perdas. A outra, sustendando uma insuportável irritabilidade diante da verdade e do sofrimento introduzido pelo gesto que resultará em conhecimento.
Neste último caso, o conhecimento passa a ser da ordem de um lamento melancólico uma vez que se apoia nas previsões pessimistas sobre um sujeito que odeia a si mesmo uma vez que conta com o futuro como um já sabido. Assim, por esse vão, caímos na questão religiosa. Ignorância de si versus adivinhação do futuro: dogmas. O nosso melhor pertence a Deus, é nele onde nos realizamos é a ele que devemos voltar para encontrar a felicidade. Assim professa a palavra do deus.
No presente nada mais é necessário. Tudo pode aguardar até o juízo final, onde seremos absolvidos até dos crimes cuja explicação aponte para os problemas que a luz do sol na areia ardente causa nos olhos de sujeitos argelinos quando encontram árabes, e os matam com cinco tiros, uma vez que estavam no caminho da água fresca e não compreendiam que era sua obrigação dar passagem. Nada mais óbvio, nada mais lógico.
A ação migrou para o campo da atuação e assim tornou-se ato, gesto sem responsabilidade, gesto que foi feito quando o sujeito não estava em casa! O que fazer?

Dr. Tomazelli