sexta-feira, 28 de agosto de 2009

reação terapêutica negativa

Reação terapêutica negativa: uma rejeição original à possibilidade de cura pela palavra, uma proibição contra a transformação do psicanalista em medicamento.
1 – Para clientes “sem esperança” indicam-se analistas antidepressivos!
2 – Para clientes delirantes recomendam-se psicanalistas neurolépticos!
3 – Para clientes cínicos indicam-se analistas verdadeiros!(Nesses três casos o inverso, ou seja, quando a patologia incide sobre o psicanalista, fica sendo válido o papel de cura que o cliente deve desenvolver para poder curar-se uma vez que seria capaz de curar o próprio analista para que este possa curá-lo).
4 – reação terapêutica negativa é uma reação da ordem do fracasso da neurose. É triunfo do masoquismo e, portanto da perversão! É um ato, um atentado contra o desenvolvimento da esperança em análise. É uma impregnação narcotizante que interrompe o processo de reação natural de cuidados que se encontra disponível no repertório humano do analista, fazendo com que todas as reações deste último pareçam controladas pelo psiquismo do cliente no sentido de dissuadi-lo do trabalho.
5 – Aqui temos mais uma vez a presença de um estado hipnóide no analista induzido pela depressão grave presente na mente do cliente. Isto é transferido para a mente inconsciente do analista. Um “eu me odeio” primário, transforma-se em desinteresse do outro sobre o valor do amor que ele pode me dedicar; em uma palavra o analista é induzido à desistência. Há uma desvitalização da força psicoterápica original, natural de cada um de nós humanos.
6 – Esse estado no qual o analista entra, quero chamar de estado hipnóide, e envolve uma desistência da ação que surge espontânea no gesto do analista e uma descrença na psicanálise. É aqui onde se dá a primeira morte do analista.
7 – A essa morte, segunda morte, acrescenta-se uma outra que é proposta pela instituição psicanalítica quando fala da neutralidade do analista proibindo assim o gesto espontâneo como modo de condução da cura.
8 – A essas duas mortes soma-se ainda uma outra, a última, e aquela que configura radicalmente que o que está em questão não é mais da ordem do masoquismo, do suicido branco ou da neutralização da possibilidade de cura por sentimento de culpa inconsciente; o que está em questão é, verdadeiramente, o assassinato do analista, e não mais o investimento auto-erótico da destrutividade! Agora temos, dirigido para o analista, uma explosão projetiva que destila violência pura, causando impregnação por excesso de uso de substância neuroléptica, e à conseqüente narcotização ou sedação do analista, seguida de estupro e morte.
9 – Caso A:
- a cliente chega até mim por indicação de um amigo aviador que conhece um médico com quem ela trabalha em um serviço de saúde para atletas. Formada em enfermagem, e com um intenso desejo de ser psicanalista mais que psicanalisada, desenvolve-se em seu trabalho, mas de modo que reputa insatisfatório, tanto do ponto de vista dos cargos que ocupa quanto do ponto de vista econômico, isto é, do salário. Vem de uma família numerosa e confusa, mãe “útil mas desconfortável - bastante deprimida!” (sic), com um pai bastante complicado do ponto de vista da personalidade; isto é: pessoa impulsiva e lasciva, que a cliente sempre relatou com certo tom de asco e certa tensão erótica; era um alcoólatra e não reconhecia bem o lugar que a filiação tinha em sua vida de pai de família. O sentimento de nojo e de erotismo me foi relatado uma vez da seguinte forma: “Ele me chamava para me abraçar e eu tremia por dentro porque sabia que ele ia me tocar. Meu Deus, que horror!” Tinha um irmão, também alcoólatra, e um marido “um pouco mau-caráter”, digamos assim: um espertalhão, perdedor de dinheiro (!?) e explorador das mulheres com quem convivia. Na verdade um fracassado. Tinha também uma filha desse mesmo homem, com quem conviveu de modo oscilante ao longo do tempo. A menina viveu um bom tempo com a avó materna.Infelizmente, todas as sessões estiveram povoadas por um intenso sentimento de fracasso e de inveja, crônico, eu diria, por um período de cinco ou seis anos. Como a melhora nunca vinha, e o dinheiro cada vez minguasse mais, a energia gasta pra tocar o tratamento foi se esvaindo, até que um dia tudo acabasse escorrendo das mãos tanto minha quanto dela. Deve-me dinheiro até hoje... - Sei lá se me deve! Modo de dizer. Até tentou me pagar com um terreno que tinha, mas não deu certo. Interrompeu sua análise aparentemente do mesmo modo que entrou. Insatisfeita, insaciável. Nunca encontrou quem pudesse a ela acolher emocionalmente, e nunca esteve disponível para algo além de sexo, com os homens com quem se encontrou durante o tempo em que esteve comigo. Não era boa mãe, mas se dizia “boa de cama”!Nunca pude compreender bem o que poderia isso querer dizer!
Pois como cliente e participante de um processo que envolvia uma parceria, ela se mostrava muito, muito fechada.
Referências bibliográficas:1) Masoquismo mortífero e masoquismo guardião da vida, Benno Rosemberg, tradução do francês de Célia Gambini. São Paulo: Escuta, 2003.2) Reação terapêutica negativa: a análise impossível.Joan Rivière: Un contribucion al análisis de la reacción terapeutica negativa (1949)3) Corpo e conhecimento: uma visão psicanalítica, Emir Tomazelli, São Paulo, Casa do Psicólogo, 1998.4) Psicanálise: uma lectura trágica do conhecimento, Emir Tomazelli, São Paulo, Edições Rosari, 2003.
Dr. Emir

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Clínica

Há dias que me sinto na obrigação de refletir e considerar que nossas chances de sanidade são enormes. Temos que aceitar os novos desafios afetivos e sofrê-los. Pelo que observamos na clínica, quando um cliente se desenvolve e cresce, ele acaba por reconhecer que, na vida mental, sempre é, e sempre há, tempo para mudar. Mesmo que seja um instante antes de se lançar no abismo da insanidade, há ainda oportunidade para enfrentar nossa própria psicose.
Penso que alguém pode querer pensar:
“Se eu matar a todos os que eu temo, sem jamais amá-los, respeitá-los e desejá-los, vou cair no esquecimento e desaparecer num mundo sem uma memória, sem um passado que possa referir-se a mim.”
Se, neste instante, alguém puder pressentir o profundo isolamento, e solidão, creio que esse alguém possa ter coragem e pensar que vale a pena se arriscar e fazer um vínculo afetivo com alguém.
Se arriscar a conhecer o mundo simbólico, mesmo sabendo que tenha que aceitar também o risco de ser portador dessa engenhoca que chamamos psiquismo, e mesmo que isto signifique o preço de sentir tristeza e dor por amarmos alguém, mesmo assim, ainda assim, mesmo que isso aconteça... seria bom que alguém pudesse dizer: vale a pena se entregar, vale a pena pertencer à teia de interdependências da vida emocional, e considerar razoável e muitas vezes boa, a insuportável relação conosco mesmo e com o outro, e lutarmos, decididos, para que isso seja sempre superado do melhor modo possível, e que possa ser expresso como um estado de viver-se em busca de self suficientemente bom. E por que não?

Dr. Emir

sábado, 22 de agosto de 2009

Identificação projetiva

a)Se a tragédia é a repetição do acaso (Garcia-Roza)[1], em Klein, essa afirmativa, sofre uma torção minimamente curiosa, porque o trágico estará antes da repetição do acaso, isto é: no futuro. Klein introduz um movimento defensivo novo, e que se refere às tentativas psíquicas de gritar com a mente, antes de sabermos fazê-lo com a boca. Na obra kleiniana se percebe que o grito, antes, está na mente e, dessa mesma mente é lançado para outra mente que está no futuro. A torção temporal indica que o grito é lançado no fluxo do tempo que há de vir. Percebe-se também que, esse grito já dado, demora mais do que se pode suportar, para chegar a um corpo capaz de agir e dar sentido e direção para o problema que se coloca. Então o recurso ao grito é feito apenas pelo uso de um tipo específico de transferência psíquica, a transferência psíquica de minha paixão em grito. Teletransporte de dor sem nome: projeção psíquica de grito. Grito projetado no futuro da mente da mãe.
a1)Forço-me para dentro do outro para que ele dê conta de meu desespero, vindo me atender antes que eu possa formular por mim mesmo o meu pedido. Formulo meu pedido dentro do mundo interno do objeto e ele reage sem saber por que, fazendo em mim aquilo que eu não pude sequer pensar. É a isto que Klein chamou de ‘identificação projetiva’.
a2)Paixão narcísica veiculada pela força da projeção que promove uma transfusão de angústia sem nome para outra mente que se encontra no futuro. Projeção que chega a remeter o grito - e o próprio eu que grita (com seu grito) - para o futuro, dentro da mente da mãe, antes que ele aconteça, antes que ele possa ser pensado em mim e em mim executado.
a3)De algum modo o que Klein está tentando propor é a idéia de que eu possa fazer uma repetição vir do futuro[1] onde ainda ela não aconteceu, usando a projeção da mesma na mente do objeto, obrigando o objeto a cumprir o seu destino trágico já designado pelo bebê-profeta, que na profecia anteviu o desastre, e o arremeteu para o futuro, que agora se atualiza nos gestos do objeto no presente.
a4)A tragédia agora está inoculada na musculatura do objeto tomando-o, possuindo-o e fazendo-o agir precisamente da forma que deveria ser evitada. Não há sadomasoquismo mais perfeito. Uma espécie de didática perversa, que ‘ensina’ ao objeto - em sua dimensão outra, em seu tempo que também é outro - como agir, de forma tal que confirme, que o eu que realizou a ‘identificação projetiva’ receba de volta, cruelmente, tudo que se empurrou para dentro dele no futuro.
a5)É lançando mão do recurso da projeção de minha própria identidade no futuro, e lançando com ela meu grito nas ações futuras do objeto, que empurro ao meu mim incompreensível para o interior da mente desse objeto que me espreita e me atende. Assim fazendo, posso trazer do futuro um evento traumático, que vinha em minha direção partindo do meu passado.
[1] GARCIA-ROZA, Luiz Alfredo. – Acaso e repetição em psicanálise: uma introdução à teoria das pulsões, Rio de Janeiro, Jorge Zahar editores, 1986.


Dr. Emir

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Di Loreto


Caros colegas,
Para mim é experiência de dor sem palavras, a ida (infelizmente) já esperada há tempos, do Di Loreto.
Não há gesto que possa expressar minha gratidão ao grande Di, nem a minha tristeza por perdê-lo.
Foi meu mestre, meu (des)orientador, foi meu ideal de ser. Foi, para mim, uma espécie de meu Winnicott. Lembro-me daquele jeitão esparramado, meio caipirão... Seus olhinhos miúdos brilhavam quando dava longas tragadas no seu Hilton king size, antes de responder nossas perguntas de jovens psicólogos, nos meados dos anos 70.
Inesquecíveis as noites infinitas das sextas-feiras, depois da reunião na comunidade - com todos que queriam estar por perto -, íamos ao Camelo, na Pamplona, beber chopps e esperar pelo caldinho da feijoada do sábado que, lá pela uma da madrugada, já ia saindo do fogão. Nossa que saudade! Que alegria nos envolvia. Ele nos brindava com sua inteligência e poesia, e nós lhe devolvíamos com nossa juventude e com enorme gratidão.
Minha clinica passa por ele, assim como todo meu aprendizado para ser uma pessoa, também passa.
Me ensinou Spitz, Klein, Freud, Aberastury, Bleger, Maxwell Jones, mas acima de tudo me fez compreender a importância e o perigo do contato com a verdade.
Me convidou ao vínculo afetuoso com ele, e com a teoria com a que ele pensava seus casos (os causos). Ao longo dos anos me foi sugerindo, em sua paciência, que o carinho com os clientes, por vezes, pode curá-los em silêncio.
Em fim... terei saudade! Terei tristeza pela sua ausência.
De qualquer modo e seja como for: queria deixar minha gratidão pública a esse grande professor, e ao homem que foi capaz de lutar apaixonadamente por seus sonhos e por sua coletividade.
Que ao partir ele possa levar de mim o enorme carinho que tenho por ele!
Forte abraço Di!
Forte abraço!
Emir

sábado, 15 de agosto de 2009

Paul Auster

“É também verdade que essa recordação às vezes vem até ele como uma voz. É uma voz que fala dentro dele e não é necessariamente a sua voz. Ela fala para ele do mesmo modo que uma voz conta histórias para uma criança, e, no entanto às vezes essa voz zomba dele, ou chama sua atenção, ou o xinga com expressões nem um pouco dúbias. Às vezes ela distorce de propósito a história que está contando, altera fatos para os adaptar a seus caprichos, zelando mais pelo interesse do drama do que pelos interesses da verdade. Então ele tem que falar com ela com sua própria voz e mandar que pare, e assim a faz voltar ao silêncio de onde veio. Em outras ocasiões, ela canta para ele. E em outras ocasiões ainda ela sussurra. E também há ocasiões em que ela se limita a gemer, ou balbuciar, ou chorar de dor. E mesmo quando não diz nada, ele sabe que ainda está ali e, no silêncio dessa voz que nada diz, ele espera que ela fale.” (Auster, p. 139, 40. 1999)[1]
[1] Auster, Paul A invenção da solidão. Tradução Rubens Figueiredo. São Paulo, Companhia das Letras, 1999.


Dr. Emir

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

2009 Brasil e a tagédia do poder!

General Mourão em 1970
"Ponha-se na presidência qualquer medíocre, louco ou semi-analfabeto e vinte e quatro horas depois a horda de aduladores estará à sua volta, brandindo o elogio como arma, convencendo-o de que é um gênio político e um grande homem, e de que tudo o que faz está certo. Em pouco tempo transforma-se um ignorante em um sábio, um louco em um gênio equilibrado, um primário em um estadista. E um homem nessa posição, empunhando as rédeas de um poder praticamente sem limites, embriagado pela bajulação, transforma-se num monstro perigoso".
(Olympio Mourão Filho. Memórias: a verdade de um revolucionário. Porto Alegre, L&PM, 1978, pág. 16.)


Dr.Emir

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Contradição trágica.

Triste contradição essa!
Sem sombra de dúvida, a incessante e sem finalidade manutenção do nada, é o objetivo da vida.


Dr. Emir

sábado, 1 de agosto de 2009

Identificação projetiva. III hipótese.

Um ‘eu narcísico’ que se desloca no interior do fluxo inconsciente para dentro do objeto via identificação projetiva, propicia a si mesmo uma outra vida, mas essa vida nova só se dá pelo roubo do lugar interno do outro.
Um ‘eu’ enfia-se dentro do outro, para hospedar-se lá e para livrar-se de si, introduzindo-se pelo furo psíquico (por onde circulam livremente as coisas psíquicas nas esteiras da telepatia e do hipnotismo) na intimidade do objeto que foi escolhido para hospedar ao eu, que o próprio eu não quer em si. É assim que, todos os dias, um novo eu habita o eu de algum objeto.


Dr. Emir