sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Clínica

A saturação das informações sobre a vida do cliente devoram de algum modo a possibilidade de o analista fantasiar sobre o espaço vazio de investigação.
Deveríamos, debruçados sobre um parapeito onírico, observarmos os lapsos de nossa construção racional sobre o sujeito que nos fala. E darmos a ela um formato de objeto de curiosidade mais que de esclarecimento.
Formular 'a' questão é o ponto mais alto da interpretação do analista, tanto quanto é a sua sensação de que não deveria falar o que está pronto e prestes a dizer...
A história narrada, se não remete ao sonho, não poderá ser ouvida como sendo regida por um inconsciente capaz de imaginação. Isto é: antes do bebê ter inconsciente, é necessário que ele (o inconsciente) exista em algum lugar, por exemplo na mente da mãe. Neste sentido a mãe é o primeiro lugar onde a repressão ocorre, e com ela a cisão do aparelho do bebê pode acontecer.
Isto quer dizer que a consciência primitiva é una, sem divisão. Ou, dito de outra forma, o estado em que está a consciência primitiva é pura lucidez, tanto quanto é ausência de significação e de subjetivação. 'Funes o Memorioso', do Borges. Paul Auster fala que Proust não é um exemplo de memória: quem não esquece de nada, de nada pode se lembrar !!
Os dados, da vida de um homem, no ouvido do psicanalista, se forem enumerações que tendem ao infinito, destruirão o significado dos números porque estes não servirão mais ao seu propósito precípuo, a saber, de serem vínculos entre indivíduos!


Dr. Emir

Um comentário:

Claudio César Montoto disse...

Caro Emir: Você é um dos pouquíssimos colegas que provocam tanto com as suas articulações que há que pensar e muito cada significante que você expressa. que genial para os tempos de hoje! Bom nem tanto de hoje se pensarmos que Kant, em O Que é Iluminismo? já apontava o significante "rebanho, gregário" que se identificava com os "guardiões" que dizem: Não pense! Acredite! Obedeça!
Parece que continua vigente esse imperativo categórico perverso: não pense, consuma! Talvez por isso neste mundo contemporâneo voltamos ser barrocos: medo do espaço vazio, pavor do silêncio, terror da solidão! Quando escutei você nas primeiras vezes (PUC, CEP) e depois lendo seu dois livros pensei: Este colega é um louco (piantado diríamos em Buenos Aires) ou está com máscara (Próssopon: Persona) para provocar controvérsias... Penso que ambas possibilidades tornam-se elogios pelo labor pedagógico que nos aponta: vamos pensar, sejamos terroristas do narcisismo que não lida com diferenças. Obrigado, Emir, por me fazer crescer! Um abraço. Claudio César Montoto