terça-feira, 13 de janeiro de 2009
Opor Freud e Klein vale a pena?
Uma breve discussão com um freudiano:
Dedico este texto ao meu amigo Menezes; mesmo que ele se zangue comigo ou nem possa comigo concordar!
No artigo “O ódio e a agressividade na metapsicologia freudiana” (Menezes, 2001), Menezes alinhava e rearticula as discussões freudianas sobre o ódio e a destrutividade. Em uma palavra, digamos assim, torna essa diatribe correta e enxuta. O texto é preciso e não deixa brechas. A manutenção de uma fidelidade ao freudismo se destaca junto a uma rigorosa leitura metapsicologica que, ao final do raciocínio, critica inclusive Freud e se pergunta qual a necessidade real de existir uma teoria que propõe haver “uma pulsão de destruição” (p. 152) Cito um pequeno trecho:
“Finalmente, a pulsão de morte pode permanecer ‘no organismo’ ligada à libido na forma de um masoquismo primário, chamado por Freud de masoquismo erógeno. A concepção de um masoquismo primário não encontra equivalente na primeira teoria das pulsões, a menos que retomemos a noção de co-excitação sexual dos ‘Três Ensaios’. Freud diz ali que qualquer emoção como a angústia, o medo ou mesmo a dor, pode produzir excitação sexual. Em ‘Pulsões e suas Vicissitudes’, ele escreve que ‘infligir a dor (ao objeto) não desempenha nenhum papel nos objetivos originariamente visados pela pulsão. Para a criança sádica, infligir dor... não é o que ela visa’ .(Freud, 1915). É somente depois de experimentada em si mesma a excitação sexual ligada à dor – por co-excitação -, quer dizer a satisfação masoquista, que pode infligir dor ao outro, agredir, fazer mal, passa a ser um objetivo pulsional. Laplanche nota, com razão, que o primeiro tempo sexual é o masoquista. O tempo propriamente sádico supõe um tempo sexual masoquista anterior, de maneira que já existe neste texto, ainda no quadro da primeira teoria das pulsões, há a noção de um masoquismo primário. Confesso, pois, que não consigo ver o que o conceito de uma pulsão de destruição acrescenta para a elucidação do problema que nos ocupa, qual seja o da origem, da natureza e dos destinos do ódio. Quanto à origem e à natureza do ódio, perece-me bem mais fecunda a teoria anterior, que põe em relação ódio e narcisismo. Quanto aos destinos do ódio, não há duvidas de que, nos textos posteriores a ‘Além do Princípio de Prazer’, há uma nítida consolidação do espaço crescente que vinha sendo ocupado pelo sadismo e pelo masoquismo na metapsicologia freudiana. O sadismo e o masoquismo perecem estar de alguma maneira presentes, desde então, em todas as modalidades da libido. Freud afirma em 1924, que o ‘o masoquismo erógeno toma parte em todas as fases do desenvolvimento da libido e empresta delas a sucessão de roupas psíquicas que reveste’: ‘a angústia de ser devorado’ ligada à organização oral, o ‘desejo de apanhar’ à fase sádico-anal e até mesmo as fantasias de castração da fase fálica comportando uma satisfação masoquista.” (p.152)
Melanie Klein, não necessita de todo esse contencioso teórico para falar do ódio. Não opõe (nem compõe) ódio a narcisismo, mesmo que esta hipótese não seja de todo uma má hipótese. Pelo contrário, além de não considerar o narcisismo um período evolutivo, mas um ato psicótico de encapsulamento, o ódio do qual ela fala é um ódio derivado de um pavor talâmico, da ordem da autoconservação. É tão ancestral, que dispensa teorias que esclarecem mecânicas do erotismo. Mesmo que para o que Freud falava fosse muito interessante que ele pudesse produzir teoria que desse um bom sustento lógico para que um produto psíquico viesse a entrar na imaginação e ser representado, sendo também manifesto.
Ódio puríssimo é dirigido contra o eu antes mesmo deste existir. Isto representa (se é que se pode falar de representação neste começo) que o originário de Klein não é derivado da lógica que trabalha com a idéia de co-excitação gerada pela própria dor. Esse ódio derivada-se, seca e singelamente, de uma excitação psicótica de pode desejar não estar vivo, e que nos propõe um campo negativo para operar sem limites.
Devo reconhecer que o parágrafo citado, não deixa de ser uma afirmativa que me intriga pela precisão e, mais que tudo, pela astúcia. Mas, se meu faro não me equivoca, refere-se - além da falar sobre uma questão de teoria - a algo mais institucional, mas canibal e que insiste em reabrir compulsivamente uma discussão que dá preferência a manter Klein distante de Freud como uma abordagem desviante e desnecessária para os psicanalistas mais puros[1].
André Green pode exemplificar o que digo, cito-o:
“Enquanto alguém vive, fala e escreve de modo, às vezes, provocante; suscita o conflito, a inveja, a identificação projetiva. É preciso que a pessoa morra para que no trabalho de luto nós nos dediquemos a uma reparação tardia.
É por isso que hoje redemos justiça à Melanie Klein, após termo-nos referido à sua obra principalmente para criticá-la.” (p. 7)[2]
Afinal, tudo já estaria em Freud? Só posso lamentar. Penso que esse modo antigo de instalar um “não sentido” na problemática pulsional do ódio como Klein o coloca, proibindo-lhe o estatuto de uma força cega e originária que também deseja, traz problemas de espaço e conforto para o livre pensar necessário para a produção de ciência, como também para levar uma investigação até seu ponto mais íngreme.
Klein fala de um impulso que deseja e, além disto, cobra, exige obriga que o homem se disponha a uma ação contra a própria vida e contra a manifestação da existência, e que esta ação seja executada a qualquer preço, e que um nada baste para que um simples pensamento seja convertido em lógica do ato e em realidade pública de escárnio, independente das conseqüências para o indivíduo e para o grupo humano. Será que isto não e suficiente? Será que não está, em nenhum ponto, de acordo com a definição de pulsão em Freud? Se assim for, creio que encaminhamos a discussão para um procedimento de disputa de território, que mais emperra que esclarece a clínica psicanalítica.
Parece ser menor compreender o gesto de inclusão e de acréscimo teórico que Klein propõe, quando privilegia o ódio do sujeito por si mesmo e pelo outro que o contem, e a importância teórico-clínica da mesma, pois se necessita ficar nas diferentes ramagens das palavras ditas por Freud, para manter uma “fidelidade” que vejo como desnecessária. O ódio, em Klein, vem explicitar e esclarecer o sexual, e deriva do estudo que ela fazia, auxiliada pela obra freudiana, sobre o psiquismo infantil. Ela jamais se viu distante dele querendo dizer que tinha melhores idéias. Pelo contrário sua escrita revelava e ainda revela o quanto foi mamar nele para propor os novos rabiscos que propôs a partir do rabisco primário.
Toda vez que se toca neste assunto, não me parece desimportante lembrar que compreender o papel do ódio na constituição emocional do sujeito, e na reafirmação de sua imaturidade constitucional destrutiva, é função de uma ciência da mente, que sabe que a psicanálise enquanto prática clínica, não permite escolas, mas requer atitudes que sejam eficazes e terapêuticas na hora e no local do crime cometido, isto é: lá na sessão.
Conduzir uma sessão psicanalítica está longe de ser tão leve como saber se a morte ou o sexo prevalecem como impulsos suficientemente destrutivos em si mesmos na mente do doente mental. Ao cliente necessitado de cura, pouco importa o que nós teorizamos sobre as origens do ódio desde que possamos - de modo maduro - aliviar suas dores e dar-lhes instrumentos eficazes de defesa contra a própria psicose e instrumentos que ajudem a incrementar a área de sanidade.
Se a morte – como um instinto (sublimação criacionista [Lacan, 1988, p. 260] , é claro!) – não pode dar suporte a uma teoria da destrutividade como algo independente da libido e de Eros, devemos nos perguntar, então o quanto isso altera a clínica. Caso compreendamos que a alteração tende a zero, façamos o seguinte, abramos mão de defesas e escolas, deixemos que o ódio seja resumido a um elemento não necessário, ou apenas colateral, que não é exigido como essencial à sustentação do sentido brutal da pulsão e da compulsão à repetição, e passemos a aceitar o que afirmam os freudianos. Quem sabe assim possamos perder menos tempo com a micro-diferença e tomemos a teoria da sexualidade como um eixo suficiente para ser suporte da expressão da violência e do desligamento nas relações humanas.
Melanie Klein nunca esteve interessada nessa questão, estava concentrada na questão do superego e nas dimensões de masoquismo e violência que, por si só, este objeto interno já propõe e contempla, e na quantidade de ódio que sua existência gera e congrega. Preocupação esta derivada de sua observação do que via na clínica e nas leituras que fazia de Freud. Laplanche apurou o assunto e esclareceu “tudo” quando sugeriu que a 'bennedeta' pulsão destrutiva poderia ser chamada de pulsão sexual de morte. De qualquer forma creio que seja impossível evitar ler em Klein a profunda revisão da teoria do sadismo e do masoquismo, e das relações brutais entre ego e superego, dirigindo o olhar sobre o campo das psicoses e dos estados fronteiriços e tornando-os mais claros, investigáveis e abordáveis pela técnica. Para uma clínica de psicoterapia, que por vezes nos faz esquecer de pensar, tais são as inúmeras dificuldades para conduzir as curas a bom termo, e onde o trabalho, de tão árduo, que nos anula, trazer para o foro público essas controvérsias teóricas, por vezes, apenas dificultam mais ainda a compreensão da gravidade do problema da condução do ódio durante um tratamento e dos atos psicanalíticos para curá-lo.
A manutenção do conclave dificulta apreender a contribuição kleiniana em sua originalidade. Ou seja, com a precisão só se evita ver que a contribuição kleiniana nos coloca de cara com o terreno não da constatação dos mecanismos de defesa, mas antes adverte sobre o drama ético que está incluído nas defesas psíquicas, que primam pelo rebaixamento do caráter e das condutas. Isto é, Klein adverte aos profissionais da área, que todo psiquismo aceita uma degradação ética quando entra em pânico, e isto implica que, antes do amor, será o ódio, antes da amizade a desconfiança.
Uma enorme porção da problemática kleiniana fica escondida se seguimos discutindo se a destrutividade tem origem sexual ou é pulsão independente. O sistema kleiniano é devorador e pantagruélico, engole tudo o que há em Freud, e acrescenta toques pessoais, depois de já ter comido Frenczi, Rank, Helen Deutch. Não rejeita nada, pelo contrário, enfatiza o drama agressivo dos romances edípicos e da formação do superego, tanto quanto enfatiza a tremenda desordem do eu ao nascer, re-definindo de modo magistral aquilo que em Freud era pura mecânica da imaturidade - o auto-erotismo - transformando-o em cena primeva localizada no interior do corpo da mãe. Remarcando a nossa condenação ao outro, e esse infeliz destino de manter um hétero-eu no centro de nosso eu.
Ao lado disso, esse tipo de diálogo desconsidera a influência que Klein operou sobre a técnica (que mais tarde viria a ser tomada de modo extremamente rígido pelos analistas latino-americanos, certamente incluídos aí os brasileiros como expoentes importantes do recurso à dureza. Restos da truculência militar dos anos 64/84 no interior da sociedade de psicanálise, restos também da tamanha desumanidade que a neutralidade e o rigor técnico deixam como sinais de nossa adesão ao mundo institutcional). A reviravolta na concepção de transferência onde o que se transfere se refere não mais ao passado, mas ao fantasma, à tormenta emocional, a dor, dá mostras que o pensamento desenvolvido por Melanie Klein ainda está para ser redescoberto e incluído como um dos raciocínios mais lúcidos sobre o que Freud escreveu sobre a pulsão, sobre a representação e o representante, sobre o narcisismo, sobre o ego e sobre o superego.
Não se pode esquecer que o corpo, o biológico, o somático, aos olhos da senhora Klein, ganham outro sabor e complexidade que, a meu ver, ela faz jus ao direito de ser considerada uma das verdadeiras interlocutoras de Freud. Vale lembrar a título histórico, que em Klein a sexualidade é um recurso, é um índice corporal que contribui favoravelmente como o processo de simbolização. A cópula é vista por ela como um grande organizador dos destinos da pulsão e do corpo do sujeito. Sexual em Klein é ordem, é criatividade, é regeneração, recriação e reparação. Só será destruída se for invadida pelas pulsões parciais pré-genitais, isto é, o auto-erotismo. Ou seja, o que na verdade a teoria propõe é, em uma palavra, concluir que Eros, em sua organização primordial, é destrutivo. É isto que nos ensina Klein, mesmo que nos ensine também que o sexual é criativo. Não é certo em nada do que se lê em Klein que ela tenha proposto uma nova pulsão, creio que ela apenas enfatizou que a organização primitiva da sexualidade é da ordem da destrutividade.
Dr. Tomazelli
[1] E esses psicanalistas nem são feitos em Havana que, como nos dizem os cubanos quando falam de tabaco e especificamente aos charutos, chamando-os de: los puros!
[2] Demais... é demais! Revista Ensaios- - uma publicação do CEPSI – Centro de estudos em psicanálise. Ano 1 – número 1 – 1988. Instituto Sedes Sapientiae. Curos Formação em Psicanálise.
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