Acaba também sendo um estudo profundo sobre o masoquismo, conseqüência natural de visão que Dr. Xavier usa para observar com o que trabalha.
Espero que gostem!
“O ‘ideal’coolismo e o masoquismo mortífero”
Antonio Alves Xavier
"Considero o alcoolismo não apenas uma toxicomania ou um comportamento adictivo, mas especialmente, que ele expõe a presença de uma conduta religiosa degradada, que tem seu núcleo básico no masoquismo mortífero e moral, numa organização patológica de estreiteza mental e no uso dos efeitos psicossomáticos do álcool para a busca do ideal.
O conceito de ideal - etimológicamente do latim idealis,e - representa um estado de excelência inumana em que as mazelas humanas encontrariam uma solução perfeita ou que algo possua um alto grau de perfeição. Por ideal estamos compreendendo um estado imortal de onipotência e onisciência, um estado de intemporalidade e ausência de espacialidade, um estado de completude e invulnerabilidade, um estado em que o prazer e as virtudes estariam presentes em grau superlativo e, finalmente, uma ideologia que esses atributos seriam alcançáveis, configurando-se no alvo supremo das ambições religiosas degeneradas do alcoólatra.
Nesse sentido, penso que o ideal é intensamente buscado no alcoolismo, porque o alcoolismo atinge indivíduos intensamente vulneráveis e sensíveis às limitações da condição e do sofrimento humanos. Em virtude dessa condição, os ‘idealcoolistas’ para aplacar a intensa angústia de se sentirem humanos, criam uma saída, tornando-se alcoólatras, com o objetivo de compensar a ausência de divindade em si mesmos. Esses indivíduos estabelecem através dos efeitos ilusórios da transcendência alcoólatra, uma equação simbólica entre a bebida e a divindade: o álcool é igual a um deus. Efetivam, desse modo, um delírio de através do álcool, serem, eles mesmos, durante a alcoolização alcoólatra, uma espécie de “deus de prótese”. Com isso, o alcoólatra perverte o sentido religioso do crente, uma vez que ele não quer apenas a proteção de um Deus-Pai Onipotente, mas quer ser ele próprio o deus onipotente, criando com isso uma religiosidade degradada.
O conceito de adorador do álcool, explicitado no termo alcoólatra, fala por si mesmo e o alcoolismo, portanto, na minha concepção atual, vai muito além de uma prática de dependência química e uma conduta psicológica adictiva, pois ele configura um intenso, abrangente e verdadeiro sistema de crenças e fé no ideal de se negar humano e alcançar o ideal do utópico divino através do uso psico-religioso operacionalizado na transcendência alcoólatra.
Por outro lado, em minha consideração inicial, apresentei a idéia de que, além de uma conduta religiosa degradada, no caso do alcoólatra a questão masoquista ocupa um lugar central lado a lado com o narcisismo.
Examinemos melhor isso.
Penso que para o estudo da conexão entre o alcoolismo como uma religião degradada e o masoquismo, são fundamentais as formulações de Benno Rosenberg.
Em seu livro “Masoquismo mortífero e masoquismo guardião da vida”[1] ao tratar das definições do masoquismo mortífero, Rosemberg nos apresenta essas considerações preciosas para a compreensão do funcionamento psíquico do alcoólatra e do porque, num certo sentido, ele ao começar a beber é incapaz de parar de beber: o alcoólatra ao ingerir o 1º gole não para, mas dispara na transcendência alcoólatra vivenciando uma espécie de orgasmo. Veja-se à página 109:
“2)Trata-se para eles, parece-nos, não somente de tornar (masoquistamente) suportável, e circunstancialmente agradável, a excitação, mas de encontrar seu prazer exclusivamente (ou quase) na vivência da excitação por um investimento maior desta. O corolário dessa atitude é que a descarga como satisfação objetal torna-se, no limite, supérflua, e em última instância impossível. Portanto, o masoquismo mortífero define-se ainda, e esta é sua segunda definição, como prazer da excitação em detrimento do prazer da descarga enquanto satisfação objetal. Em oposição, com o masoquismo mortífero, o masoquismo guardião da vida, ao assegurar a aceitabilidade necessária da excitação, não impede a satisfação libidinal objetal (descarga) como ponto culminante do prazer (grifo meu) À medida que esse “deslocamento” da satisfação (descarga) objetal à excitação se produz, passamos do masoquismo guardião da vida a masoquismo mortífero, verdadeiro masoquismo patológico. Quando E. e J. Kestemberg falam, a propósito de anorexias mentais graves, de “orgasmo da fome”, trata-se do masoquismo mortífero, de um investimento masoquista da excitação da fome.”
Pois bem, então, assim como na anorexia mental grave, em que o indivíduo vivencia uma espécie de orgasmo através do investimento libidinal (prazeroso) da excitação produzida pela fome, no ‘idealcoolismo’, o alcoólatra experimenta uma espécie de orgasmo através do investimento prazeroso da excitação produzida pelos efeitos químicos do álcool.
O alcoólatra, no processo de tentar alcançar cada vez mais a transcendência alcoólatra, busca sucessivamente investir prazerosamente a excitação alcoólica dentro de si mesmo em detrimento do externo, das pessoas que o rodeiam, da atividade sexual ou profissional e no sentido abrangente, do objeto. Esse é o rosto peculiar do narcisismo do alcoólatra, que agindo assim passa do masoquismo guardião da vida para o masoquismo mortífero. Conseqüentemente, no encadeamento destas ações em busca da transcendência alcoólatra, o indivíduo nem faz idéia do que seja a “satisfação libidinal objetal (descarga) como ponto culminante do prazer”. Esse último desempenho é aquele que é utilizado pelas pessoas ‘normais’, mais humanizadas, inclusive quando bebem com uma finalidade de uso recreativo da bebida alcoólica.
É comum encontrarmos em depoimentos de membros de AA a afirmação de que “o alcoólatra deseja viver em um orgasmo permanente”.
No “idealcoolismo” o princípio de realidade, que propõe um adiamento da descarga do estímulo e uma aceitação provisória do desprazer produzido pela tensão da excitação, teve sua conexão com o princípio do prazer de tal modo prejudicada, que o prazer só parece ser possível através de uma alienação do real, do mundo humano e da convivência com o outro.
É facilmente verificável que o indivíduo alcoólatra perde a noção do real e apresenta severas dificuldades na convivência social."
Centro Psicanalítico [centropsicanalitico@terra.com.br]
Antonio Alves Xavier
"Considero o alcoolismo não apenas uma toxicomania ou um comportamento adictivo, mas especialmente, que ele expõe a presença de uma conduta religiosa degradada, que tem seu núcleo básico no masoquismo mortífero e moral, numa organização patológica de estreiteza mental e no uso dos efeitos psicossomáticos do álcool para a busca do ideal.
O conceito de ideal - etimológicamente do latim idealis,e - representa um estado de excelência inumana em que as mazelas humanas encontrariam uma solução perfeita ou que algo possua um alto grau de perfeição. Por ideal estamos compreendendo um estado imortal de onipotência e onisciência, um estado de intemporalidade e ausência de espacialidade, um estado de completude e invulnerabilidade, um estado em que o prazer e as virtudes estariam presentes em grau superlativo e, finalmente, uma ideologia que esses atributos seriam alcançáveis, configurando-se no alvo supremo das ambições religiosas degeneradas do alcoólatra.
Nesse sentido, penso que o ideal é intensamente buscado no alcoolismo, porque o alcoolismo atinge indivíduos intensamente vulneráveis e sensíveis às limitações da condição e do sofrimento humanos. Em virtude dessa condição, os ‘idealcoolistas’ para aplacar a intensa angústia de se sentirem humanos, criam uma saída, tornando-se alcoólatras, com o objetivo de compensar a ausência de divindade em si mesmos. Esses indivíduos estabelecem através dos efeitos ilusórios da transcendência alcoólatra, uma equação simbólica entre a bebida e a divindade: o álcool é igual a um deus. Efetivam, desse modo, um delírio de através do álcool, serem, eles mesmos, durante a alcoolização alcoólatra, uma espécie de “deus de prótese”. Com isso, o alcoólatra perverte o sentido religioso do crente, uma vez que ele não quer apenas a proteção de um Deus-Pai Onipotente, mas quer ser ele próprio o deus onipotente, criando com isso uma religiosidade degradada.
O conceito de adorador do álcool, explicitado no termo alcoólatra, fala por si mesmo e o alcoolismo, portanto, na minha concepção atual, vai muito além de uma prática de dependência química e uma conduta psicológica adictiva, pois ele configura um intenso, abrangente e verdadeiro sistema de crenças e fé no ideal de se negar humano e alcançar o ideal do utópico divino através do uso psico-religioso operacionalizado na transcendência alcoólatra.
Por outro lado, em minha consideração inicial, apresentei a idéia de que, além de uma conduta religiosa degradada, no caso do alcoólatra a questão masoquista ocupa um lugar central lado a lado com o narcisismo.
Examinemos melhor isso.
Penso que para o estudo da conexão entre o alcoolismo como uma religião degradada e o masoquismo, são fundamentais as formulações de Benno Rosenberg.
Em seu livro “Masoquismo mortífero e masoquismo guardião da vida”[1] ao tratar das definições do masoquismo mortífero, Rosemberg nos apresenta essas considerações preciosas para a compreensão do funcionamento psíquico do alcoólatra e do porque, num certo sentido, ele ao começar a beber é incapaz de parar de beber: o alcoólatra ao ingerir o 1º gole não para, mas dispara na transcendência alcoólatra vivenciando uma espécie de orgasmo. Veja-se à página 109:
“2)Trata-se para eles, parece-nos, não somente de tornar (masoquistamente) suportável, e circunstancialmente agradável, a excitação, mas de encontrar seu prazer exclusivamente (ou quase) na vivência da excitação por um investimento maior desta. O corolário dessa atitude é que a descarga como satisfação objetal torna-se, no limite, supérflua, e em última instância impossível. Portanto, o masoquismo mortífero define-se ainda, e esta é sua segunda definição, como prazer da excitação em detrimento do prazer da descarga enquanto satisfação objetal. Em oposição, com o masoquismo mortífero, o masoquismo guardião da vida, ao assegurar a aceitabilidade necessária da excitação, não impede a satisfação libidinal objetal (descarga) como ponto culminante do prazer (grifo meu) À medida que esse “deslocamento” da satisfação (descarga) objetal à excitação se produz, passamos do masoquismo guardião da vida a masoquismo mortífero, verdadeiro masoquismo patológico. Quando E. e J. Kestemberg falam, a propósito de anorexias mentais graves, de “orgasmo da fome”, trata-se do masoquismo mortífero, de um investimento masoquista da excitação da fome.”
Pois bem, então, assim como na anorexia mental grave, em que o indivíduo vivencia uma espécie de orgasmo através do investimento libidinal (prazeroso) da excitação produzida pela fome, no ‘idealcoolismo’, o alcoólatra experimenta uma espécie de orgasmo através do investimento prazeroso da excitação produzida pelos efeitos químicos do álcool.
O alcoólatra, no processo de tentar alcançar cada vez mais a transcendência alcoólatra, busca sucessivamente investir prazerosamente a excitação alcoólica dentro de si mesmo em detrimento do externo, das pessoas que o rodeiam, da atividade sexual ou profissional e no sentido abrangente, do objeto. Esse é o rosto peculiar do narcisismo do alcoólatra, que agindo assim passa do masoquismo guardião da vida para o masoquismo mortífero. Conseqüentemente, no encadeamento destas ações em busca da transcendência alcoólatra, o indivíduo nem faz idéia do que seja a “satisfação libidinal objetal (descarga) como ponto culminante do prazer”. Esse último desempenho é aquele que é utilizado pelas pessoas ‘normais’, mais humanizadas, inclusive quando bebem com uma finalidade de uso recreativo da bebida alcoólica.
É comum encontrarmos em depoimentos de membros de AA a afirmação de que “o alcoólatra deseja viver em um orgasmo permanente”.
No “idealcoolismo” o princípio de realidade, que propõe um adiamento da descarga do estímulo e uma aceitação provisória do desprazer produzido pela tensão da excitação, teve sua conexão com o princípio do prazer de tal modo prejudicada, que o prazer só parece ser possível através de uma alienação do real, do mundo humano e da convivência com o outro.
É facilmente verificável que o indivíduo alcoólatra perde a noção do real e apresenta severas dificuldades na convivência social."
Centro Psicanalítico [centropsicanalitico@terra.com.br]
SP.07/09
Dr. Emir
Um comentário:
Emir,amigo meu,a sua competêcia e generosidade,aspectos da sua humanidade desenvolvida e viva,é um testemunho do humano que vc é,a quem o exemplo, estou tentando seguir. Muito obrigado por vcser quem é.Um forte abraço. Antonio
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