quinta-feira, 27 de maio de 2010

Irritação x sensibilidade



A sensibilidade é apenas a manifestação de irritação cultivada. É transformação de elementos brutos em elementos oníricos, que também se transformam em gestos que se encaixam de modo inteligente na cultura e na coletividade. Wilfred Bion já havia trabalhado aspectos desta idéia em seus escritos sobre a Grade, quando tratou de questões como as de função alfa e dos elementos beta. A proposição teórica de Bion auxilia ao psicanalista a compreender melhor o que está se passando na percepção dos clientes durante as consultas, ampliando a capacidade de suas observações clínicas do dia-a-dia. Compreende também que é fácil perceber o quanto de irritação o contato com a análise causa ao cliente. Com algum tempo de trabalho e de adestramento da atenção é simples de ser percebido que a sensibilidade humana é, na verdade, um complexo processo de elaboração da turbulência mental derivada das manifestações internas da emoção. Isto classifica o percepto (seja este considerado como vindo de fora de si ou de dentro de si) como uma fonte de estímulos que exige um determinado tipo de trabalho que desequilibra os processos “econômicos” que mantêm a energia psíquica estável, cobrando por isso uma nova reorganização.
Dr. Emir

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Criatividade e psicose.

Se, na criatividade, a intuição acessa conhecimento e experimenta o tempo/espaço colocando-os em imagens, estas podem ser a expressão de um impulso infinito ao fantasiar - aberto e sempre inquietantemente preenchido pelas visões formuladas pelo próprio pensamento se projetando no futuro e antecipando a vida. A psicose, pelo contrário, os põem (tempo e espaço) em colapso, comprimindo-os - como faria um buraco negro - por força da gravidade da própria estrela, que morre, comprimindo seu núcleo e expelindo matéria e radiação.

Dr. Emir

Mais psicose...

Na psicose fica-se na dimensão obscura do objeto onde o desejo por esse objeto é aterrorizante.
Como o pensamento é a coisa, ele desperta a consciência rudimentar de que o objeto pode ser protetor tanto quanto pode ser o assassino internalizado que está pronto e em operação para destruir o sujeito e seu mundo de significados, gerando incerteza e tensão ligada a imagem de que a finitude esperada e fundamente temida, será concretizada em um acidente fatal. Este mesmo fenômeno, no caso da intuição, pode ser o conhecimento ou o objeto conhecido.
Dr. Emir

Psicose e sonho

Psicose e sonho:
Necessário seria observar que a experiência psicótica, se não é, pelo menos esbarra, na mesma questão que a intuição esbarra. Isto é, seria necessário observar que, a apreensão psicótica da realidade, desafortunadamente, introduz uma distorção na experiência de apreensão dessa mesma realidade, e esta distorção se estende às diversas categorias de registro dessas experiências, impedindo-os de fixarem-se em pequenas partículas de realidade interna, prontas para ser compreendidas pela inteligência e categorizadas, para aí sim poderem dar referências claras de sua localização e de sua temporalidade, sendo digeridas por elementos psíquicos que ofertam significados: os sonhos.
Dr. Emir

domingo, 9 de maio de 2010

Psicologia dos grupos: franqueza psicótica e o ato de escutar como forma de introjeção cruel do discurso do outro!

Homenagem a ON!
Comunicação primitiva e formação de opinião nascem da colisão entre franqueza psicótica e a introjeção do discurso do outro com ódio.Quando um vínculo de ódio prevalece em qualquer relação humana, a forma como alguém é ouvido em uma conversa comum pode dar lugar a uma forma muito agressiva de receber o outro dentro de si, por meio de uma introjeção feita a partir do ódio, que nasceu do julgamento moral do outro sobre aquele que fala. "Eu já te conheço fulano! Todos nós já sabemos quem você é."
É certo que o que foi dito não era para ser dito, mas também, quando aquele que falou o que falou, não era esperada uma escuta que odiasse as palavras ditas por ele, que falou sem pensar. Mesmo porque o que foi dito não era dirigido a quem assim o ouviu e partiu para ação. Quando ouvir o outro, quando perceber aquilo que vem do outro, toma a forma de uma introjeção com ódio daquilo que o outro fala, estaremos diante de uma fala que pode ser da ordem da evacuação, já que quem o faz, o faz porque não pensa quando fala. Ou não se dá conta que é suficientemente ingênuo porque pensa que fala para aqueles que o acolhem e o querem bem.
Isto ocorre justamente porque aquele que fala, fala mais do que aquilo que pode ser dito quando ele fala. Neste sentido, aquele sujeito que introjeta com ódio o que deveria ser apenas o escutar as palavras ditas sem pensar, lidera um grupo que não se relaciona mais com o falante, mas sim com um ódio àquilo que o falante, segundo o ouvinte, "enfiou" dentro dele quando falou sem pensar nas palavras que disse aos ouvintes de sua fala. Isto é, aquele que ouve cada exata palavra daquele que fala, mas não pensa quando fala, está em área de alucinose e de 'convicção moral', tanto quanto o que fala, está na área da franqueza psicótica que, no fim das contas, é destruição da verdade possível e necessária de ser dita.Ou seja, se diante da atitude de um homem qualquer, ao dizer uma verdade que é sua sem que seu pensamento a avalie, aquele que ouve essa verdade e a introjeta de modo odiento, vai acabar agindo o ódio contido naquilo que uma verdade dita sem pensar porta, porque foi ouvida com ódio. É certo que este que ouve, age cegamente e materializa, em público, um superego psicótico pronto para matar o eu que "agiu errado". A partir disto o ouvinte que introjeta com ódio aquilo que o falante fala, se autoriza como 'o nós' do grupo, se empossa do papel do legislador, e, em estado hybris, parte para o ataque desmedido, e denuncia, na fala do falante, aquilo que a convicção delirante do ouvinte diz que o falante falou.
No entanto - situação estranha -, aquele que parte para o ataque não pode ser desmentido por quem o ouve, nem por quem falou, mesmo que todos saibam que aquele que falou não disse o que aquele que ouviu disse que ouviu daquele que falou. É, neste sentido, que a introjeção com ódio determina o lugar de onde vem a fala daqueles que falam sem pensar, obrigando ao ouvinte assumir imediatamente uma liderança de suposto básico sobre grupo de trabalho, impedindo que o grupo pense na verdade que estava escondendo enquanto falava sobre determinado tema. Estamos em uma situação de grave degradação ética. Estamos num estado que é gerado por aquele que fala a verdade – aquela que está calada no grupo - sem pensá-la, e extrai, daquele que ouve, um ataque mortal, seguido de terror coletivo e de completa detenção dos processos cognitivos, responsáveis por nossa relação com nossas verdades e com o respeito humano envolvido nesses encontros.
Aí o problema: quando o rosto daquele que fala, (- a verdade que paira, mas que não deve ser dita sem pensar -) ganha a forma monstruosa daquilo que o ouvinte disse que ouviu. Neste ponto, a face do falante cede seu lugar de referência humana para dar lugar a um referencial desumano e - o momento que se desdobra em seguida, é vivido sob um esquema de terror que impede que a fala seja ouvida fora da sua possibilidade de ser escutada como uma introjeção com ódio daquilo que foi dito. Logo daí deriva que o rosto daquele que fala por que fala - mesmo que fale porque não pensa, só fala - fica fora da possibilidade de ser visto, e, como um rosto que não é parceiro, passa a ser visto, em tudo, como aquilo que não é para ser visto, passa a ser visto como o resto de tudo o que não presta no grupo ao qual, ouvinte e falante, pertencem.
O ódio ao conhecimento na tragédia edípica é suficiente para cegar o próprio assassino! Então, aquela verdade que se materializou na fala do falante e foi introjetada com ódio porque, ela atingiu o ouvinte como verdade insuportável de ser falada sem pensar - levou o ouvinte à explosão (ex abrupta, repentinamente; inopinadamente, arrebatadamente), que aqui no caso, é derivada de uma introjetou com ódio das palavras do falante.
Além disto há, nesta condição exemplar que exponho, a alegação da parte do ouvinte de pura ingenuidade diante da imensa boçalidade que o falante produziu enquanato falou, e, destarte, enquanto porta-voz de todos se declara em público - em estado de pureza virginal que justifica o escândalo e o ultraje vivido - como aquele que foi insultado. Isto por sua vez gera um julgamento em praça pública que autoriza o ouvinte a defender-se atacando o falante como uma locomotiva. O atropela aniquilando-o diante dos outros que olham, paralizados, a violência se consumar. No caso de ainda o falante seguir existindo depois do primeiro ataque, essa situação coloca o falante em lugar complexo de ser sustentado: lugar do bode-expiatório, do que fala pelos outros sem saber porque fala e sem saber nada de si quando fala, porque só fala do lugar de quem cala por que se sabe louco, bobo, bufão... que se sabe não passando da triste figura do palhaço, e que agora se trata de encarnar em si.
É no lugar de quem não tem fala que, aquele que fala a verdade que não pode ser dita, fica; porque quem ouve, em todas suas sílabas a verdade que não deveria ser dita e a repete, como se estivesse louco, só pode falar na condição de quem vai destruir com a sua própria fala a verdade falada sem pensar, na figura do falante. Isto ocorre porque, uma vez que a ira está justificada e incentivada, em silêncio, pelo grupo, esta mesma ira obriga o ouvinte - aquele que fez uma introjeção com ódio da fala do falante- a atacar, de modo insano, aquele que o faz ouvir a verdade que sente que escuta da boca de quem fala...Daí, fica justificada a pancadaria aberta, posta em ato pelo ouvinte sobre aquele que falou a sua verdade sem pensá-la. Neste ponto o ouvinte faz do falante e de sua fala odiogenética, o animal a ser imolado e a cena se resume a um trabalho oferecido e consagrado para desembocar em um convite ao ataque aberto e sem pensamento de quem ouve e decora silabicamente tudo aquilo que um "louco" que fala a verdade fala. Não há nem como se fazer de vítima como um recurso estratégico. O falante é a vítima necessária para o ouvinte despejar do seu ódio de ouvir.
Bom que se lembre: a surra que o falante recebe, é surra na qual todos gostariam de estar pessoalmente envolvidos, mas que vão deixar somente na mão daquele que já se dipôs a assim fazê-lo e o fez. Desta forma todos vivem uma introjeção com ódio das palavras daquele que se dispôs a falar a verdade que nunca deveria ser dita. E, cá entre nós, quem disse a verdade também se une ao grupo para o linchamento de si! Certamente isto é o que evidencia que, se alguém diz a verdade que não deve ser dita sem pensá-la, ou é burro ou é masoquista!
Né não?
Moral da história: - "Passarinho que come pedra, sabe o c... que tem!!!"


Dr. Emir

quinta-feira, 6 de maio de 2010

para as moças do terceiro andar e pro moço também!

Em busca da verdade – mesmo porque, em nós, esta também é um impulso[1] (p. 147) -, não temos como voltar, nem temos como nos deter diante daqueles que nos escapam das mãos, porque nós ou eles já não podemos esperar mais, ou porque a vida vai muito além do que podemos compreender e pensar; nem também podemos tomar as providências necessárias que nos possibilitariam acompanhar um ritmo caso assim fosse necessário. Aqui também a morte revela o quanto, por antevê-la sem que propriamente saibamos o que ela é, podemos desejar deuses sem alma que possam aplacá-la. Os conjuramos, talvez, porque tenhamos a experiência dessa morte como culpa nossa, nosso poder. Ou talvez porque por ela gere uma aflição que não cessa com nada, e é imensa. Por isso é que deixamos pelo caminho tantos daqueles que amamos, e que nunca pudemos ter e cuidar completamente. Os deuses maus estão aí a nos rondar e a cobrar por nossos crimes, mesmo que só na mente cometidos, e que mesmo assim foram muito bem declamados, por John Milton, nos primeiros cantos de ‘Paraíso Perdido’, pelo qual nos faz ver quando no início se refere aos exércitos dos anjos caídos. Mas como nada disto basta e nem cede à onipotência das defesas paranóides, também precisamos dos deuses bondosos, aqueles que nos querem bem e anseiam por nós, só não sabem como nos ajudar em vida. Que lástima!

Dr. Emir

[1] Grotsetin, James S. Um facho de intensa escuridão – o legado de Wilfred Bion à psicanálise. Tradução de Maria Cristina Monteiro. Porto Alegre: Artmed, 2010.

Deus e a incógnita

A questão da que se trata quando se fala de um impulso para o morrer, é a mesma que fala que a morte é aquilo que nos cabe, uma vez que ela é o fato intransponível com que cada um de nós tem que lidar, e aceitar o que ele desperta de dor, interrogação e de inesperado. É no ‘morrer por nada’ que se acentuam os mistérios ligados aos mitos que nos compreendem e nos explicam. É por isto que não poucos autores que estudaram o homem, nos pensaram como se fôssemos um remanescente da história de outros homens. Mas isto não importa, mesmo porque a reverência aos deuses é diária, e é feita claramente na tentativa de evitar que a incógnita progrida até não puder mais ser formulada. Ou seja, deus é uma resposta insatisfatória que satisfaz plenamente, já que o impulso para a ilusão ('a vontade de engano' nietzschiana) é capaz de deter nossa questão sem lhe oferecer resposta que se aproxime da verdade.
Dr. Emir