quinta-feira, 30 de julho de 2009

Modos de ver klein

A obra kleiniana está toda inspirada na perspicaz insanidade frencziana e lastreada pela complexidade da obra freudiana. O que lhe confere a imagem da Torre de Piza, que só não desaba direto no solo porque seu centro de gravidade não cai fora do polígono da base.
Mas, fugindo da imgética fascinante da metáfora, irresistível á visão, é a teoria do superego o que mais encanta Klein ao se interessar pelo estudo do homem psicanalítico. É este “homo psicanalíticus” que a intriga. É esse homo feito do outro - feito de heteros - o que a perturba. É por isso que é do superego que se pode afirmar que “existe alguém dentro de nós; e fala!” Esta sentença, creio, é para ela o must da obra! O ‘homo psicanalíticus’ está inspirado nesse outro que chega para nos salvar e nos oferece seu rosto para ser nossa face aos nossos olhos, e palavra de sua boca para nossos lábios; roubando de nós a identidade e a enunciação de nossa dor.

Dr. Emir

Músculos.

Em uma palavra, os músculos, em sua tensão pressentem, mesmo enquanto inertes, o crime que vão cometer quando agirem.


Dr. Emir

terça-feira, 28 de julho de 2009

Alucinassohos!

Há um fundo de imagens que interferem na relação do homem com o mundo, é um fundo de cenas, um fundo de sonhos que ainda não estão domados o suficiente para serem sonhos; já não são mais coisas em si, mas ainda são “coisas” que estão a procura de algum sonho para serem sonhadas. São, na verdade, alucinações (‘alucinassonhos’); são memórias ‘onirógenas’, arquétipos de sonhos, ‘mitossonhos’ coletivos, associados a fragmentos transgeracionais. São imagens que se impõem sobre a realidade – talvez por isso devessem ser phantasias escritas com ph. ‘Alucinassonhos’ que invadem os músculos, num momento em que eles estão tomados com as tarefas mecânicas e obrigatórias do instinto de autoconservação.

Dr. Emir

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Antes do psíquico.

Klein está muito antes do psíquico, e, o ‘eu’ em que ela se apóia para dizer onde está o início da vida psíquica, é um ‘eu’ onde não haverá convite possível a lhe ser feito, de forma que ele se achegue aos tradutores oferecidos pelo simbolismo, que a raça construiu ao longo do tempos pelos que vem atravessando. Não haverá nada que possa convencer o sujeito a sair da posição de autoconservação, da posição de ser um corpo que somente sabe manter-se vivo.
De um modo ou de outro é um ‘eu’ que jamais poderá encontrar uma brecha na cultura ou vir a ser de ‘companhia’ por desejar se servir e servir a alteridade com a que está “envolvido”. Ao fechar-se, para evitar lidar com os estados de encantamento/desilusão, o homem kleiniano, animal sem face, destrói não só a percepção, mas o vínculo com o seu grupo e com sua origem. Creio que este tipo de defesa psíquica, que consiste em dissolver o psíquico na autoconservação, talvez possa dar a dimensão mais clara do que se evita, quando se evita a dor que é ter algo que se chama ‘o psíquico’.





Dr. Emir

Antes do psíquico.

Klein está muito antes do psíquico, e, o ‘eu’ em que ela se apóia para dizer onde está o início da vida psíquica, é um ‘eu’ onde não haverá convite possível a lhe ser feito, de forma que ele se achegue aos tradutores oferecidos pelo simbolismo, que a raça construiu ao longo do tempos pelos que vem atravessando. Não haverá nada que possa convencer o sujeito a sair da posição de autoconservação, da posição de ser um corpo que somente sabe manter-se vivo.
De um modo ou de outro é um ‘eu’ que jamais poderá encontrar uma brecha na cultura ou vir a ser de ‘companhia’ por desejar se servir e servir a alteridade com a que está “envolvido”. Ao fechar-se, para evitar lidar com os estados de encantamento/desilusão, o homem kleiniano, animal sem face, destrói não só a percepção, mas o vínculo com o seu grupo e com sua origem. Creio que este tipo de defesa psíquica, que consiste em dissolver o psíquico na autoconservação, talvez possa dar a dimensão mais clara do que se evita, quando se evita a dor que é ter algo que se chama ‘o psíquico’.


Dr. Emir

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Autoconservação e estética.

A beleza do mundo ao redor, o refinamento necessário para atingi-la e compreendê-la. Muito trabalho psíquico. Muita ladeira.
Por isso a estese, e consequentemente a estética, é esse ferimento primário do outro em nós. Isto é: a própria noção de percepto e estímulo obrigam que a metáfora ofereça vínculos com sensações de ferimento. Isto é, o percepto é aquilo com que o objeto nos atinge e nos acossa, e que, se tirarmos a emoção envolvida no evento, este acossamento que fere se chama estímulo. No caso da psicanálise poderíamos chamar de trauma, pois a percepção do outro é dor que prenuncia a chegada de uma dor maior ainda. Dor que antecede ao ser, e se apresenta como ‘músculos-em-ação’, uma vez que ‘músculos-em-ação’ é o mesmo que viver angústia e medo sem pensar.
Ou seja, se de fato, é o “narcisismo instintivo” aquilo que nos coloca em confronto com o outro, de encontro ao outro, é porque este narcisismo evolve da autoconservação, e esta é instintiva. Instintivo quer dizer “resposta de gatilho”, algo sem controle, automático e sem a contribuição do pensamento. Creio que, para quem tem uma cidadela a preservar, este alguém, se de fato a possui, deve automaticamente reagir a favor de si por compreender que qualquer presença que não seja para privilegiar a sua é, antes de tudo, uma incontrolável impressão de invasão, que deve ser seguida de captura e morte. Assim o ‘narcisismo instintivo’ é esse amor a sí que precede e inaugura qualquer encontro, e que não passa pela presença do outro, mesmo que este outro, no caso de um bebê, possa ser “somente” a mãe.
Dr. Emir

quinta-feira, 16 de julho de 2009

O trauma.

Talvez fosse por não pensar na dor como fratura direta, que Freud precisasse do ‘segundo golpe’ - o après-coup – para compreender a força do patológico. Klein dispensou os fatos, em Klein o traumático tinha (e tem) um só tempo. O próprio psíquico já é da ordem do trauma, o desastre primevo não necessitava de reativação, a infância brutalizada pelo fantasma, fazia do ser dito humano um animal sem nome, circunscrito as barras da jaula, e vivendo às expensas da autopreservação do ‘si-soma’, sem ter fantasia e palavra vindas de lábios e línguas que pudessem lambê-lo, recordando-lhe sua essência humana e amiga.



Dr. Emir

Aspectos psicóticos.

Os aspectos psicóticos dos problemas cognitivos, derivados de estados mentais de excessiva desconfiança, desconfiança esta decorrente da contínua confusão entre os mundos ‘externinterno’ que se misturam, aumentam as respostas primitivas de medo, e o contato simbólico, ainda incipiente, com o mundo das fantasias desloca o psíquico do bebê para um terreno onde o pequeno humano se torna um refém das pulsões de autoconservação, por não saber o que fazer com o fantasma. Só quer se livrar dele e não sabe a quem endereçá-lo.

Dr. Emir

terça-feira, 14 de julho de 2009

O vínculo e a alma!

- Uma vez evitado o vínculo, o elo, o anel que nos enlaça ao outro, qualquer contato com a ética fica impossibilitado. Se, por ventura, estamos ligados ao legislador ele mesmo, já não temos como saber do outro sem julgá-lo. Algo que poderíamos chamar de vergonha de si, de autocrítica não se estabelece, e, assim fica desumana aquilo que poderíamos chamar de ‘a alma humana’.



Dr. Emir

sábado, 11 de julho de 2009

O ‘humanimal’ na clínica.

O ‘humanimal’ na clínica:
A clínica kleiniana se dedicaria a ver nas doenças mentais os aspectos mais rústicos, onde ainda o aparelho do animal luta contra o aparelho ‘humanimal’. Deteve-se em locais mais simples, e se dedicou à descrição das ‘coisas’ que precedem as doenças do simbólico que atingem as neuroses, e que acabaram por representar, no desenho da mente, as articulações mais propriamente características de um campo que veio a ser chamado, depois de Lacan, de freudiano. Esses espaços muito primitivos, que ela reabriu na teoria, são atravessados pelo animal-homem, atravessados pelo lobisomem, pelo vampiro, pelos atos traiçoeiros derivados da deformação da impressão de realidade, geraram, no interior da psicanálise, uma clínica de ‘adestramento’, que talvez pudesse levar o sujeito à neurose, e que envolvia a transformação do ser ‘humanimal’, em um animal passível de sintoma, isto é, passível de ser atingido pelo simbólico, pela tristeza e pela palavra fantasmagórica da alteridade: um 'ANIMOT'*.


* Derrida, Jacques O animal deu logo sou (A seguir). Tradução Fabio Landa. – São Paulo: Editora Unesp, 2002.

Dr. Emir

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Pai/Kierkegaard

"[...] aqui se constata que só quem trabalha ganha seu pão, só quem esteve em aflição encontra repouso, só quem puxa a faca consegue ter Isaac de volta [...]. Aquele que não trabalha deve ter em mente o que está escrito sobre as virgens de Israel, pois ele dá à luz o vento, mas quem está disposto a trabalhar dá à luz o próprio pai."
Kierkegaard
(citação que consta do livro de Paul Auster: "A Invenção da Solidão")



Dr. Emir

quinta-feira, 9 de julho de 2009

sobre a curiosidade.

Porém, virgem ou não
- na verdade ninguém é virgem -
o sistema tem que estar preparado para reconhecer que curiosidade envolve: ‘procurando por encrenca’. Isto é: vínculo. E vínculo - dentro da lógica freudiana que Klein adota - é coito, e coito envolve associação, que envolve, na diversidade, ser de companhia. Que, por sua vez, envolve ser só e ser em falta, que envolve luto, e que para alguns bebês é dor sem limite, cruel e triunfante. Daí, alguns desses pequenos seres, muito cedo, se disporem a ficar psicóticos, e pôr fim no que nos faz possíveis. Triste fim, pior ainda a escolha da meta e o meio.
Dr. Emir

Conhecer.

- Conhecer envolve ter nascido, e suportar a lógica geométrica do triângulo, tanto quanto envolve ser capaz de sentir-se sendo deus ou tendo deus em si, que no início é o mesmo que ser louco ou é o mesmo que desenvolver um superego psicótico.

Dr. Emir

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Uma hipótese de um início.

A vida está em escombros que são perpetuamente reconstruídos e voltam a se espatifar. Uma catástrofe em movimento. São escombros em trabalho, e, para nós, esses mesmos escombros, lembram uma paisagem, que é nosso lar, nossa casa, o lugar que nos hospeda, onde a poeira - fruto da colisão - recobre mais que revela o que existe; e a vida transcorre como se uma névoa proibisse a luz, e isto dificultasse a nossa visão clara do que está acontecendo. Por isso tememos mais o que projetamos, do que aquilo que, de fato, podemos “ver”.




Dr. Emir

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Dimensão dos sentimentos

A inveja é unidimensional.
O ciume é bidimensional.
O amor é tridimensional.
Dr. Emir

Bion: a detenção do desenvolvimento.

“Tais objetos, sejam internos ou externos, são na verdade objetos parciais, sendo predominantemente, embora não exclusivamente, aquilo que denominaríamos de funções e não de estruturas morfológicas. Este fato não é percebido em razão de o pensar do paciente (ou do bebê) ser regido por objetos concretos, tendendo, assim, a produzir, na mente sofisticada do analista, a impressão de que a preocupação do paciente é com a natureza do objeto concreto. A natureza das funções que excitam a curiosidade do paciente é investigada por este último através da identificação projetiva. Os seus sentimentos, vigorosos demais para serem contidos no interior de sua personalidade, estão entre essas funções. A identificação projetiva lhe possibilita investigar seus próprios sentimentos dentro de uma personalidade vigorosa o bastante para contê-los. A negativa ao uso deste mecanismo, seja pela recusa da mãe (ou analista) em servir como receptáculo dos sentimentos do bebê, ou pelo ódio e inveja do paciente que não pode permitir que a mãe exerça essa função, leva a destruição do elo de ligação entre o bebê e o seio e consequentemente, a uma grave desordem do impulso de ser curioso, de que depende toda a aprendizagem. Está preparado, assim, o caminho para uma grave parada do desenvolvimento. Além disso, graça à recusa ao principal método de que dispõe o bebê para lidar com emoções por demais vigorosas, a conduta da vida emocional, de qualquer forma um sério problema, torna-se intolerável. Em decorrência disto, os sentimento de ódio voltam-se contra todas as emoções, inclusive o próprio ódio, e contra a realidade externa que os estimula. É um pequeno passo, do ódio ás emoções até o ódio à própria vida... este ódio redunda no recurso á identificação projetiva de todo o aparelho psíquico, inclusive do pensamento embrionário, que forma o elo de ligação entre as impressões sensoriais e a consciência. A tendência à excessiva identificação projetiva, quando predominam os instintos de morte, é, assim, reforçada. (p. 98, Bion, W. R, 1988)[1]
...
O distúrbio do impulso à curiosidade, de que depende toda a aprendizagem, e a recusa ao mecanismo pelo qual este impulso busca expressão, torna impossível o desenvolvimento normal. Uma outra característica se impõe se o andamento da análise for favorável, os problemas que em linguagem sofisticada são postos em perguntas ‘por quê?’ não poderão ser formulados. O paciente parece não ter apreço pela causação e queixar-se de estados de espírito dolorosos, ao mesmo tempo em que persiste numa série de atos destinados a gerá-los. Portanto, quando surgir material apropriado, deve-se mostrar ao paciente que ele não tem interesse no porquê de se sentir assim. A elucidação do escopo limitado de sua capacidade resulta no desenvolvimento de uma maior amplitude e uma incipiente preocupação com causas. Isto redunda em certa modificação de conduta, que, por outro lado, prolonga a aflição.” (idem, p. 99)
[1]Bion, W. R. ,(1897) Estudos psicanalíticos revisados. Tradução de Wellington Marcos de Melo Dantas. RJ:Imago Ed., 1988.

Dr. Emir

sábado, 4 de julho de 2009

Mãe e filho.

Imaginem as dimensões emocionais de um complexo de Édipo vivido e experimentado com os recursos de um bebê de três meses de idade! Imaginem ainda esse bebê tendo que lançar mão, dentro da mente da mãe imatura, dos recursos de que ela dispõe, para nela se proteger do fato de não ter como pensar o que se passa com ele toda vez que ela chega!
Dr. Emir

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Nietzsche - mulheres

"Máscaras. - Há mulheres que, por mais que as pesquisemos, não têm interior, são puras máscaras. É digno de pena o homem que se envolve com estes seres quase espectrais, inevitavelmente insatisfatórios, mas precisamente eles são capazes de despertar da maneira mais intensa o desejo do homem: ele procura a sua alma - e continua procurando para sempre."


Alguns dos aforismos de "Humano, Demasiado Humano", de Friedrich Nietzsche, tradução de Paulo César de Souza, recém editado pela editora Companhia das Letras.

Dr. Emir

Inveja: hipótese II.

Klein, desde cedo, observa que há um impulso para destruir o sistema cognitivo, o sistema que vincula tudo emocionalmente, e chama a este evento de inveja. É defesa desesperada, é a chance que a mente pressente para ficar psicótica, e assim, protegida do significado e da importância do mundo.
Dr. Emir

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Alcoolismo e idealcoolismo.

Este texto foi escrito por um amigo que estuda há muitos anos o alcoolismo. A idéia é muito interessante e atraente. Ele sugere também que façamos uma mundança de nome para deixar mais claro o que é o patognomônico na patologia . O novo nome é: IDEALCOOLISMO.
Acaba também sendo um estudo profundo sobre o masoquismo, conseqüência natural de visão que Dr. Xavier usa para observar com o que trabalha.
Espero que gostem!

“O ‘ideal’coolismo e o masoquismo mortífero”
Antonio Alves Xavier

"Considero o alcoolismo não apenas uma toxicomania ou um comportamento adictivo, mas especialmente, que ele expõe a presença de uma conduta religiosa degradada, que tem seu núcleo básico no masoquismo mortífero e moral, numa organização patológica de estreiteza mental e no uso dos efeitos psicossomáticos do álcool para a busca do ideal.
O conceito de ideal - etimológicamente do latim idealis,e - representa um estado de excelência inumana em que as mazelas humanas encontrariam uma solução perfeita ou que algo possua um alto grau de perfeição. Por ideal estamos compreendendo um estado imortal de onipotência e onisciência, um estado de intemporalidade e ausência de espacialidade, um estado de completude e invulnerabilidade, um estado em que o prazer e as virtudes estariam presentes em grau superlativo e, finalmente, uma ideologia que esses atributos seriam alcançáveis, configurando-se no alvo supremo das ambições religiosas degeneradas do alcoólatra.
Nesse sentido, penso que o ideal é intensamente buscado no alcoolismo, porque o alcoolismo atinge indivíduos intensamente vulneráveis e sensíveis às limitações da condição e do sofrimento humanos. Em virtude dessa condição, os ‘idealcoolistas’ para aplacar a intensa angústia de se sentirem humanos, criam uma saída, tornando-se alcoólatras, com o objetivo de compensar a ausência de divindade em si mesmos. Esses indivíduos estabelecem através dos efeitos ilusórios da transcendência alcoólatra, uma equação simbólica entre a bebida e a divindade: o álcool é igual a um deus. Efetivam, desse modo, um delírio de através do álcool, serem, eles mesmos, durante a alcoolização alcoólatra, uma espécie de “deus de prótese”. Com isso, o alcoólatra perverte o sentido religioso do crente, uma vez que ele não quer apenas a proteção de um Deus-Pai Onipotente, mas quer ser ele próprio o deus onipotente, criando com isso uma religiosidade degradada.
O conceito de adorador do álcool, explicitado no termo alcoólatra, fala por si mesmo e o alcoolismo, portanto, na minha concepção atual, vai muito além de uma prática de dependência química e uma conduta psicológica adictiva, pois ele configura um intenso, abrangente e verdadeiro sistema de crenças e fé no ideal de se negar humano e alcançar o ideal do utópico divino através do uso psico-religioso operacionalizado na transcendência alcoólatra.
Por outro lado, em minha consideração inicial, apresentei a idéia de que, além de uma conduta religiosa degradada, no caso do alcoólatra a questão masoquista ocupa um lugar central lado a lado com o narcisismo.
Examinemos melhor isso.
Penso que para o estudo da conexão entre o alcoolismo como uma religião degradada e o masoquismo, são fundamentais as formulações de Benno Rosenberg.
Em seu livro “Masoquismo mortífero e masoquismo guardião da vida”[1] ao tratar das definições do masoquismo mortífero, Rosemberg nos apresenta essas considerações preciosas para a compreensão do funcionamento psíquico do alcoólatra e do porque, num certo sentido, ele ao começar a beber é incapaz de parar de beber: o alcoólatra ao ingerir o 1º gole não para, mas dispara na transcendência alcoólatra vivenciando uma espécie de orgasmo. Veja-se à página 109:
“2)Trata-se para eles, parece-nos, não somente de tornar (masoquistamente) suportável, e circunstancialmente agradável, a excitação, mas de encontrar seu prazer exclusivamente (ou quase) na vivência da excitação por um investimento maior desta. O corolário dessa atitude é que a descarga como satisfação objetal torna-se, no limite, supérflua, e em última instância impossível. Portanto, o masoquismo mortífero define-se ainda, e esta é sua segunda definição, como prazer da excitação em detrimento do prazer da descarga enquanto satisfação objetal. Em oposição, com o masoquismo mortífero, o masoquismo guardião da vida, ao assegurar a aceitabilidade necessária da excitação, não impede a satisfação libidinal objetal (descarga) como ponto culminante do prazer (grifo meu) À medida que esse “deslocamento” da satisfação (descarga) objetal à excitação se produz, passamos do masoquismo guardião da vida a masoquismo mortífero, verdadeiro masoquismo patológico. Quando E. e J. Kestemberg falam, a propósito de anorexias mentais graves, de “orgasmo da fome”, trata-se do masoquismo mortífero, de um investimento masoquista da excitação da fome.”
Pois bem, então, assim como na anorexia mental grave, em que o indivíduo vivencia uma espécie de orgasmo através do investimento libidinal (prazeroso) da excitação produzida pela fome, no ‘idealcoolismo’, o alcoólatra experimenta uma espécie de orgasmo através do investimento prazeroso da excitação produzida pelos efeitos químicos do álcool.
O alcoólatra, no processo de tentar alcançar cada vez mais a transcendência alcoólatra, busca sucessivamente investir prazerosamente a excitação alcoólica dentro de si mesmo em detrimento do externo, das pessoas que o rodeiam, da atividade sexual ou profissional e no sentido abrangente, do objeto. Esse é o rosto peculiar do narcisismo do alcoólatra, que agindo assim passa do masoquismo guardião da vida para o masoquismo mortífero. Conseqüentemente, no encadeamento destas ações em busca da transcendência alcoólatra, o indivíduo nem faz idéia do que seja a “satisfação libidinal objetal (descarga) como ponto culminante do prazer”. Esse último desempenho é aquele que é utilizado pelas pessoas ‘normais’, mais humanizadas, inclusive quando bebem com uma finalidade de uso recreativo da bebida alcoólica.
É comum encontrarmos em depoimentos de membros de AA a afirmação de que “o alcoólatra deseja viver em um orgasmo permanente”.
No “idealcoolismo” o princípio de realidade, que propõe um adiamento da descarga do estímulo e uma aceitação provisória do desprazer produzido pela tensão da excitação, teve sua conexão com o princípio do prazer de tal modo prejudicada, que o prazer só parece ser possível através de uma alienação do real, do mundo humano e da convivência com o outro.
É facilmente verificável que o indivíduo alcoólatra perde a noção do real e apresenta severas dificuldades na convivência social."
Centro Psicanalítico [centropsicanalitico@terra.com.br]
SP.07/09



Dr. Emir