Clientes perdidos indicam ter havido problema de espaço.
O espaço psíquico é sem tamanho. A doença mental o faz pequeno e nos localiza encarcerados nesse ínfimo ponto que é a loucura.
A sala de atendimento pode ser ampla, mas em verdade é tão apertada ou tão larga quanto a loucura e a saúde de cada um dos participantes.
Há pessoas que se afligem por ficar nesses cubículos - ou nos espaços infinitos e em expansão - por muito tempo e se vão. Partem, porém, antes do tempo que lhes seria próprio partir, não querem ou não podem pensar sobre o que se passa com eles; partem apressados, esquecem das roupas, dos seus objetos pessoais, de pagarem as contas, de te avisarem que saltam na próxima parada. Estão aflitos, com os músculos pedindo ação, descarga rápida, algo que alivie...
Para eu que fico, deixam ‘um resto não resolvido’ em mim. Algo que abandonam em minh’alma e nunca mais voltam para pegar.
Tenho esses clientes/resíduos guardados em um enorme cemitério mental.
Visito-os para trocar as flores sistematicamente, para algumas conversas e, eventualmente, para acertos de contas que não se esgotam.
Relembro de nossos diálogos. Repito-os tentando refazê-los de modo a que eu os sinta melhores do que quando os fiz diretamente, e por vezes percebi que não os devia ter feito.
Volto para atender os vivos.
Estes também poderão vir a habitar o cemitério, o campo de luto, os sítios do inacabado e do inacabamento.
É triste vê-los partir. Mais triste ainda velar por eles.
Mas... Ossos do ofício.
Dr. Tomazelli
terça-feira, 27 de janeiro de 2009
quinta-feira, 22 de janeiro de 2009
sobre o conhecimento.
O bicho hôme:
epistem-
n elemento de composição
antepositivo, do gr. epistêmé,és 'familiaridade com uma matéria, entendimento, habilidade; conhecimento científico, ciência', em uns poucos voc. do sXX: epistema 'ciência', epistêmico, epistemologia, epistemológico, epistemólogo
episteme
n substantivo feminino
Rubrica: filosofia.
1 na filosofia grega, esp. no platonismo, o conhecimento verdadeiro, de natureza científica, em oposição à opinião infundada ou irrefletida
2 no pensamento de Foucault (1926-1984), o paradigma geral segundo o qual se estruturam, em uma determinada época, os múltiplos saberes científicos, que por esta razão compartilham, a despeito de suas especificidades e diferentes objetos, determinadas formas ou características gerais [O surgimento de um nova episteme estabelece uma drástica ruptura epistemológica que abole a totalidade dos métodos e pressupostos cognitivos anteriores, o que implica uma concepção fragmentária e não evolucionista da história da ciência.]
epistêmico
n adjetivo
1 relativo a 1epistema ou episteme (conhecimento ou saber como um tipo de experiência); puramente intelectual ou cognitivo
2 subjetivo
3 Rubrica: filosofia.
m.q. cognitivo
O que governa o homem é a curiosidade, depois a destruição se apossa de tudo, inclusive do acasalamento e do sexo! As forças do mal operam contra a gnose, contra o conhecer. Trocando em miúdos: o impulso ao conhecimento tem como oponente o impulso de destruição de sentido que funciona sem controle dentro de cada mente humana.
O sujeito psicológico e o epistêmico separam-se apenas pela diferença que há entre agir e atuar. Ao sujeito psicológico é o ato o que lhe cabe – o desmedido! – possessão, paixão. Ao sujeito epistêmico é a ação, meticulosa e espontânea (não pensada), mas de pura precisão, pertence ao mundo daqueles que têm capacidade de experimentar o “agora” e reconhecer a importância do outro na vida de cada um.
epistem-
n elemento de composição
antepositivo, do gr. epistêmé,és 'familiaridade com uma matéria, entendimento, habilidade; conhecimento científico, ciência', em uns poucos voc. do sXX: epistema 'ciência', epistêmico, epistemologia, epistemológico, epistemólogo
episteme
n substantivo feminino
Rubrica: filosofia.
1 na filosofia grega, esp. no platonismo, o conhecimento verdadeiro, de natureza científica, em oposição à opinião infundada ou irrefletida
2 no pensamento de Foucault (1926-1984), o paradigma geral segundo o qual se estruturam, em uma determinada época, os múltiplos saberes científicos, que por esta razão compartilham, a despeito de suas especificidades e diferentes objetos, determinadas formas ou características gerais [O surgimento de um nova episteme estabelece uma drástica ruptura epistemológica que abole a totalidade dos métodos e pressupostos cognitivos anteriores, o que implica uma concepção fragmentária e não evolucionista da história da ciência.]
epistêmico
n adjetivo
1 relativo a 1epistema ou episteme (conhecimento ou saber como um tipo de experiência); puramente intelectual ou cognitivo
2 subjetivo
3 Rubrica: filosofia.
m.q. cognitivo
O que governa o homem é a curiosidade, depois a destruição se apossa de tudo, inclusive do acasalamento e do sexo! As forças do mal operam contra a gnose, contra o conhecer. Trocando em miúdos: o impulso ao conhecimento tem como oponente o impulso de destruição de sentido que funciona sem controle dentro de cada mente humana.
O sujeito psicológico e o epistêmico separam-se apenas pela diferença que há entre agir e atuar. Ao sujeito psicológico é o ato o que lhe cabe – o desmedido! – possessão, paixão. Ao sujeito epistêmico é a ação, meticulosa e espontânea (não pensada), mas de pura precisão, pertence ao mundo daqueles que têm capacidade de experimentar o “agora” e reconhecer a importância do outro na vida de cada um.
Como distinguir um sujeito do outro, mesmo que seja possível estuda-los separadamente? A ação é o real digerido pelos sistemas de significação - por isso é que no agir o homem se desnuda e revela sua ética. É no agir que se verifica a solução que a mente decidiu executar. Piaget nos indica esse caminho; inteligência e ética! Ética é inteligência. Fora disso a insanidade, o corpo entregue “ao deus dará”.
Em nosso interior reside o mal, pois é da degradação que começamos. Partimos do menor, do mais imediato, daquilo que não espera. Não espera, nem quer nada de nós além de que não queiramos nada... Desejo monótono.
Quem somos nós quando agimos? Quando agimos, agimos ou atuamos? Agimos ou somos agidos? Como a ação pode transformar-se em ato insano? Essas questões são freqëntes em minha mente.
Em nosso interior reside o mal, pois é da degradação que começamos. Partimos do menor, do mais imediato, daquilo que não espera. Não espera, nem quer nada de nós além de que não queiramos nada... Desejo monótono.
Quem somos nós quando agimos? Quando agimos, agimos ou atuamos? Agimos ou somos agidos? Como a ação pode transformar-se em ato insano? Essas questões são freqëntes em minha mente.
Por vezes me respondo:
-As ações são saudáveis somente quando elas se sobrepõem ao sujeito, ao seu narcisismo, fazendo-o fazer algo que leva em consideração a existência da espécie (incluisive ele mesmo) como sendo algo de suma relevância e que ele deve levar em conta para agir.
-Atuar, que seria o agir que adoeceu, é sair do ponto onde algo em nós é da ordem da subjetividade e migrar para outro ponto que é da ordem do narcisismo (que é a ilusão heterônoma) e, portanto obedecer a ordens internas desmedidas, dadas por "outros" que nos habitam sob a forma da identificação.
Para a subjetividade, isto é, para a pessoa ela mesma, que sabe a dureza da vida e da sua implacável indiferença ao nosso destino, sobra uma só solução: topar a empreitada!
Para a subjetividade, isto é, para a pessoa ela mesma, que sabe a dureza da vida e da sua implacável indiferença ao nosso destino, sobra uma só solução: topar a empreitada!
A vida é só para aqueles que são capazes de responder com responsabilidade[1] ao que o ambiente suscita, enfrentando da melhor forma a turbulência das soluções escolhidas. A ação é adequada quando envolve recolhimento e reverência diante do desamparo. Jamais arrogância, intolerância, hybris. Autonomia resulta em subjetividade, subjetividade em liberdade, liberdade em responsbilidade, por mim e pelo outro.
Heteronomia aponta para o narcisismo, para a obediência a ordens dadas internamente que forçam atos desmedidos, e que nos conduzem ao atuar destituído de pensamento e respeito pelo mundo. A atuação é o que dá a falsa autonomia, é aquilo que nos faz heróis loucos que se realizam no mundo das alucinações que a máquina da imaginação constrói e sustenta.
Como diferenciar então autonomia de heteronomia? Como diferenciar sujeito vivo de Narciso morto. No romance de Albert Camus, Meursault, o personagem principal de O Estrangeiro, como um anjo wildeano, age porque o sol reflete de modo intenso na areia ardente e age:
“Meursault vai até a praia com Marie e Raymond e por pura inércia é levado a uma confrontação sinistra com um árabe, inimigo de Raymond. Em um momento de exaltação ou demência, incitado pelo sol na areia ardente e impedido pelo árabe de chegar até a fonte de água fresca, Meursault o mata com cinco tiros da pistola de Raymond. “ (Shattuck, 1998)
De quem foi a ação: do sujeito epistêmico ou do sujeito psicológico? Como separá-los? Como desmembrá-los e distingui-los? Certos gestos, certamente, nos lembram algo do demoníaco, algo do sombrio! Algo desse anjo sem paixão, desse anjo apático e eficaz. Se a ação é, num certo sentido, a única verdade do sujeito, quem pode responder por atos sobre os quais não se tem intenção nem sequer controle? Não seriam esses atos atuações e não ações?
“Meursault vai até a praia com Marie e Raymond e por pura inércia é levado a uma confrontação sinistra com um árabe, inimigo de Raymond. Em um momento de exaltação ou demência, incitado pelo sol na areia ardente e impedido pelo árabe de chegar até a fonte de água fresca, Meursault o mata com cinco tiros da pistola de Raymond. “ (Shattuck, 1998)
De quem foi a ação: do sujeito epistêmico ou do sujeito psicológico? Como separá-los? Como desmembrá-los e distingui-los? Certos gestos, certamente, nos lembram algo do demoníaco, algo do sombrio! Algo desse anjo sem paixão, desse anjo apático e eficaz. Se a ação é, num certo sentido, a única verdade do sujeito, quem pode responder por atos sobre os quais não se tem intenção nem sequer controle? Não seriam esses atos atuações e não ações?
Sem culpa não há vida, logo sem resposnáveis não há humanidade.
Se a construção da inteligência aponta para o inacabado, que é o próprio futuro em seu estado de expansão infinita, aponta também, infelizmente, para uma possível descoberta desse futuro com já conhecido, usando uma lógica psicótica apoiada em um passado de ações que ficaram retidas em nossa musculartura e que não passam pelo processo de simbolização, ficando assim proibidas de serem transformadas em fórmulas matemáticas de evolução da espécie.
Se a construção da inteligência aponta para o inacabado, que é o próprio futuro em seu estado de expansão infinita, aponta também, infelizmente, para uma possível descoberta desse futuro com já conhecido, usando uma lógica psicótica apoiada em um passado de ações que ficaram retidas em nossa musculartura e que não passam pelo processo de simbolização, ficando assim proibidas de serem transformadas em fórmulas matemáticas de evolução da espécie.
Estarmos esticados sobre um abismo ladeado pelo desconhecido e pelo já vivido. Dois cumes que demarcam a nossa fenda essencial: memória e ausência de conhecimento, um base do outro. Do lado do devir a cognição, aberta a todos os possíveis. Do lado da memória o ser previsível, adivinhado pelo místico narcisista, apoiado nas leis da não ignorância e do não luto, o homem já sabido, previsível e prédestinado ao lugar da imagem que mito, a religião ou a ciência lhe impõem.
Assim o paradoxo: devir ignorado versus previsão adivinhada.
Com isto talvez possamos estabelecer uma oposição entre singularidade e narcisismo. A primeira apontando para a ciência trágica, viva e verdadeira, da culpa e das perdas. A outra, sustendando uma insuportável irritabilidade diante da verdade e do sofrimento introduzido pelo gesto que resultará em conhecimento.
Neste último caso, o conhecimento passa a ser da ordem de um lamento melancólico uma vez que se apoia nas previsões pessimistas sobre um sujeito que odeia a si mesmo uma vez que conta com o futuro como um já sabido. Assim, por esse vão, caímos na questão religiosa. Ignorância de si versus adivinhação do futuro: dogmas. O nosso melhor pertence a Deus, é nele onde nos realizamos é a ele que devemos voltar para encontrar a felicidade. Assim professa a palavra do deus.
No presente nada mais é necessário. Tudo pode aguardar até o juízo final, onde seremos absolvidos até dos crimes cuja explicação aponte para os problemas que a luz do sol na areia ardente causa nos olhos de sujeitos argelinos quando encontram árabes, e os matam com cinco tiros, uma vez que estavam no caminho da água fresca e não compreendiam que era sua obrigação dar passagem. Nada mais óbvio, nada mais lógico.
A ação migrou para o campo da atuação e assim tornou-se ato, gesto sem responsabilidade, gesto que foi feito quando o sujeito não estava em casa! O que fazer?
Dr. Tomazelli
quarta-feira, 21 de janeiro de 2009
Mais sobre Klein.
Destaco mais uma vez este assunto de que o psíquico, em Klein, funciona a base de perseguição e culpa, e que são estes os estados emocionais que situam o sujeito diante do mundo e da cultura, assujeitando-o àquele lugar sacrificial, de perseguição e de acusação que lhe é próprio, uma vez que é sob acusação que percebo que sou homem e que existo.
Em Klein isto se demanda para que possamos pensar a espécie humana. Nela não existe essa chance de algo do psíquico ser próprio e, portanto, não gerar culpa e ônus para o sujeito. Não é viável que qualquer gesto seja da ordem do “natural”, e, portanto, sem culpa ou responsabilidade.
Em Klein isto se demanda para que possamos pensar a espécie humana. Nela não existe essa chance de algo do psíquico ser próprio e, portanto, não gerar culpa e ônus para o sujeito. Não é viável que qualquer gesto seja da ordem do “natural”, e, portanto, sem culpa ou responsabilidade.
Responsabilizar o sujeito desde cedo é reafirmar que a vida é de cada um em meio aos outros. Notem: Klein não admite ação sem culpa, isto seria equivalente a um território cercado sem que houvesse sinal de vida dentro, além daquela derivada do próprio vivente que ali se encontra preso e não sabe disto.
Dr. Tomazelli
segunda-feira, 19 de janeiro de 2009
Contemporaneidade .
“A contemporaneidade é estúpida, nela o homem é um evento imprevisível do qual todos devem se defender.”
Emir Tomazelli
(2007-09-04)
Emir Tomazelli
(2007-09-04)
O mal.
“É bem certo que a violência é aquilo que não fala” (Deleuze, 1973)
A resistência ao luto, acrescida à presença de uma mãe ‘não falante’ no mundo interno da criança é sinal, é um sintoma e é marca de que está havendo problemas nos sistemas de elaboração dos sentimentos mais complexos ligados às emoções de perda e separação, tanto quanto em relação aos sistemas responsáveis pelo amor, pela ligação e pela dependência. O mal se aproxima e o simbolismo mitológico e onírico não digere as experiências emocionais brutas e as devolve ao real como se fossem ‘trecos dessignificados’. O despreparo, a imaturidade e a inabilidade para lidar com elementos de digestão lenta, sem amparo dos mais velhos, levam o recém-nascido a regurgitar o próprio psiquismo na ilusão de poder devolver ao ambiente um produto que ele pensa ter sido obtido inadequada ou inadvertidamente. Alguém o fez comer o que ele não queria: foi assim no Paraíso de Adão e Eva, não? E lá já estava o mal.
Esse ato psíquico primitivo de expulsão, que devolve ao mundo o que não se faz psíquico sugere, para uma mente imatura, que o problema foi resolvido, e a técnica aplicada foi a de jogar fora a água do banho do bebê com ele dentro. Esse ato mental cria uma área imaginária onde parece ser possível a qualquer um dispensar-se das obrigações depressivas num estalo de dedos ou num piscar de olhos e agir como se tudo fosse "apenas" uma resposta "ingênua e espontânea". Se for correto afirmar que o nome próprio, vindo do outro, é aquilo que dá ao sujeito o direito a ter responsabilidade, uma vez que o submete, uma vez que o acusa e o culpa pelo mal cometido, poderia isto querer dizer que no período em que ainda não temos nosso nome, não teremos culpa, nem precisaremos responder por nada?
Como disse Pierre Gisel, no prefácio da publicação de uma conferência feita por Paul Ricoeur[1] na Faculdade de Teologia da Universidade de Lausanne em 1985:
..."o homem só é sujeito quando é chamado (denominado), só é sujeito quando é responsável." (Gisel, 1985)[2] Mesmo que a idéia de Gisel sobre o pensamento de Ricoeur, de que somente depois do nome é que se pode cometer o mal, seja tentadora, penso que a experiência de culpa, que ocorre nesse período onde o sujeito ainda não tem nome, é uma experiência muito mais violenta, uma vez que o castigo não é menor e a expectativa por ele esbarra mais no desejo de obtê-lo de forma violenta, que na fuga da própria punição. Se as perversões e a ignorância não representam o mal, quem mais o faria? Não há nada que chegue antes à nossas almas aflitas que não seja da ordem do mais simples, e o mal, certamente, é o mais simples.
O agir sem ser responsável, é um agir que se encontra fora do território humano. Mas o mal está dentro do território humano. Não há um sujeito possível sem que, internamente, ele possa responder pelo mal que faz.
Mas é necessário, por outro lado, que se compreenda que inúmeras vezes, porém, pode existir uma ação sem que haja (aja) um sujeito: os músculos e os ossos são senhores de tudo quando não há inteligência, ou lucidez para comandar uma ação.
A ausência de culpa, a infância e o mal são expressões que podem ser, por um momento, sinônimas, uma vez que são o reflexo da ausência de sujeito, uma vez que se pode alegar que a casa estava vazia.
O assassino pode dizer-se infante, alegar-se criança demais para responder pelo que fez. Pode querer ser, perante a lei, inimputável ao matar sua mãe - jogando-a na casa do vizinho que possuía violentos Pit Bulls - para que ela fosse eventualmente morta por eles. Esses cães deveriam executar, pelo filho infantil, o ato pelo qual ele mesmo não gostaria de responder. Seria isto o mal?
Ou o mal realmente seria nós sermos todos suficientemente infantis e precisarmos que alguém na sociedade execute o mal por nós, para que nossas mãos não fiquem sujas do sangue daqueles a quem odiamos e queremos mortos. O ato sem ninguém, o ato frio e ausente de si mesmo, sem essência ou presença é um ato de um ente que se localiza num tempo que precede o tempo da responsabilidade, porém não precede a culpa, não precede as angústias persecutórias.
Só o vazio depressivo, e a dor desse vazio, podem dar consistência ao amor pelo outro uma vez que tomam a esse outro como semelhante em dor, semelhante na paixão e no padecer. O saber que o outro sofre a partir do seu próprio sofrer confere solidariedade àquele que também sabe o que é o sofrer. É no assoalho onde há dor que o adubo da tristeza fertiliza o crescimento de algo que, mesmo sem sabe-lo por completo, chamamos de humanidade. Isto nos devolve a fibra para lutarmos contra o mal.
“A quem o mal foi feito o mal fará em retribuição”.
W. H. Auden, o poeta, já o havia escrito, e com isto também havia indicado que todos somos capazes de alcançar e praticar o mal. Está em nosso sangue. Hanna Arendt, já havia esclarecido quando falou das dimensões insuportáveis da bondade e da pena, deixando clara a brutalidade do próprio homem contra ele mesmo, inclusive quando ele busca praticar o bem. Brodsky, em seu “Discurso Inaugural” (1983, Cia. das Letras 1994) proferido aos alunos do William Colege, chama a atenção para os perigos do ‘oferecer a outra face’ sem se preparar para uma luta encarniçada de vida ou morte.
O que sabemos, nós que estudamos a psicanálise, é que a brutalidade proíbe o crescimento ético. A brutalidade proíbe o aprofundamento na alma humana, impossibilita-o. A brutalidade não permite sentir, perceber, compartilhar, cooperar. A brutalidade estanca o pensar, fazendo morta a nossa alma. Para reviver, ela precisa ser capaz de responder por si e por seus atos, sentir o peso de sua culpa e transformá-la em responsabilidade. O peso e o pesar são o nosso centro de gravidade, o nosso apoio, a nossa certidão.
Aquele que é capaz de dizer: "Eis-me aqui." Restabelece o ciclo da vida, uma vez que está disposto a tomar para si a responsabilidade pelo que fez, sem procurar por ninguém nas cercanias para acusar. Creio que este é o ângulo epistêmico que está perdido no trabalho freudiano. Ele aborda certas ações do bebê humano sem que, no entanto, faça a exigência da necessária presença (no psíquico desse ser) de um sujeito responsável que pode responder pelo que faz.
Freud, por essa via, executa o banimento do mal do inconsciente colocando-o nas mãos da sexualidade e, com esse banimento exclui também a responsabilidade como uma experiência que tem registro atávico, e que pode ter sido recebida por herança, tanto quanto o mal o foi, no longo caminho trilhado pela evolução de toda humanidade, mas que já está - desde cedo - em nossos bancos de memória ética. Dessa forma, infelizmente, Freud retira da esfera inconsciente o território do mal e da crueldade, tanto quanto retira a morte.
Excluindo o mal da infância, não faz mais que lançar a psicose para um outro contexto distante daquele que ele define como “primário”. Poucos se dão conta desse problema, e poucos compreendem que Klein vem ocupar esse nicho teórico. É por isso que Klein tem que criar um ângulo particular para dizer de um espaço para a ‘não culpa’, uma área mais psicótica ainda, fazendo da cidadela esquizo-paranóide a nova versão que afirma narcisismo ser da mesma ordem da insanidade. Segundo minha compreensão, uma ação que é feita antes do sujeito humano poder ter lugar para ‘ser ele próprio’ no interior do seu espaço mental é um tipo de ação que é impulsiva, é possessão e pura ativação do ato, do instintivo.
Ato sem pensador, assim como o ato sem a presença de um eu, não é um gesto cogitado e preparado no fogão do sonhar, cuidado pela duração do tempo. Ato direto é ato sem alma, coisa do demônio, é coisa do mal. Assim, perdido num emaranhado de possíveis ações não cometidas, mas ‘realizadas na mente’ pela utilização de fantasias violentas, o sujeito sem nome se acusa de todas as dores geradas no mundo e pelas quais não sabe como responder de tão pequeno que é, e de todos os erros cometidos por ele e pelos homens que estiveram em algum momento em transe, possuídos por um desejo incontrolável de agir e cometeram um ato impensado! A culpa onipotente enfatiza que o sujeito necessita acusar-se, necessita punir-se e, para evitar um colapso maior, é comum que, quando assustado, ele tente localizar em algo ou alguém a origem e a causa do mal que lhe acontece ou do mal que ele produz, eliminado a fonte. O resultado disso é confundir pensamento com ação, causa com culpa, e também a onipotência do psíquico com uma ação executada no real. A ação fica sobrecarregada de significados pecaminosos e o sujeito inominado se perde no mundo idealizado da perfeição superegóica, sendo condenado à punição que ele vive como se dela necessitasse.
Esse ato psíquico primitivo de expulsão, que devolve ao mundo o que não se faz psíquico sugere, para uma mente imatura, que o problema foi resolvido, e a técnica aplicada foi a de jogar fora a água do banho do bebê com ele dentro. Esse ato mental cria uma área imaginária onde parece ser possível a qualquer um dispensar-se das obrigações depressivas num estalo de dedos ou num piscar de olhos e agir como se tudo fosse "apenas" uma resposta "ingênua e espontânea". Se for correto afirmar que o nome próprio, vindo do outro, é aquilo que dá ao sujeito o direito a ter responsabilidade, uma vez que o submete, uma vez que o acusa e o culpa pelo mal cometido, poderia isto querer dizer que no período em que ainda não temos nosso nome, não teremos culpa, nem precisaremos responder por nada?
Como disse Pierre Gisel, no prefácio da publicação de uma conferência feita por Paul Ricoeur[1] na Faculdade de Teologia da Universidade de Lausanne em 1985:
..."o homem só é sujeito quando é chamado (denominado), só é sujeito quando é responsável." (Gisel, 1985)[2] Mesmo que a idéia de Gisel sobre o pensamento de Ricoeur, de que somente depois do nome é que se pode cometer o mal, seja tentadora, penso que a experiência de culpa, que ocorre nesse período onde o sujeito ainda não tem nome, é uma experiência muito mais violenta, uma vez que o castigo não é menor e a expectativa por ele esbarra mais no desejo de obtê-lo de forma violenta, que na fuga da própria punição. Se as perversões e a ignorância não representam o mal, quem mais o faria? Não há nada que chegue antes à nossas almas aflitas que não seja da ordem do mais simples, e o mal, certamente, é o mais simples.
O agir sem ser responsável, é um agir que se encontra fora do território humano. Mas o mal está dentro do território humano. Não há um sujeito possível sem que, internamente, ele possa responder pelo mal que faz.
Mas é necessário, por outro lado, que se compreenda que inúmeras vezes, porém, pode existir uma ação sem que haja (aja) um sujeito: os músculos e os ossos são senhores de tudo quando não há inteligência, ou lucidez para comandar uma ação.
A ausência de culpa, a infância e o mal são expressões que podem ser, por um momento, sinônimas, uma vez que são o reflexo da ausência de sujeito, uma vez que se pode alegar que a casa estava vazia.
O assassino pode dizer-se infante, alegar-se criança demais para responder pelo que fez. Pode querer ser, perante a lei, inimputável ao matar sua mãe - jogando-a na casa do vizinho que possuía violentos Pit Bulls - para que ela fosse eventualmente morta por eles. Esses cães deveriam executar, pelo filho infantil, o ato pelo qual ele mesmo não gostaria de responder. Seria isto o mal?
Ou o mal realmente seria nós sermos todos suficientemente infantis e precisarmos que alguém na sociedade execute o mal por nós, para que nossas mãos não fiquem sujas do sangue daqueles a quem odiamos e queremos mortos. O ato sem ninguém, o ato frio e ausente de si mesmo, sem essência ou presença é um ato de um ente que se localiza num tempo que precede o tempo da responsabilidade, porém não precede a culpa, não precede as angústias persecutórias.
Só o vazio depressivo, e a dor desse vazio, podem dar consistência ao amor pelo outro uma vez que tomam a esse outro como semelhante em dor, semelhante na paixão e no padecer. O saber que o outro sofre a partir do seu próprio sofrer confere solidariedade àquele que também sabe o que é o sofrer. É no assoalho onde há dor que o adubo da tristeza fertiliza o crescimento de algo que, mesmo sem sabe-lo por completo, chamamos de humanidade. Isto nos devolve a fibra para lutarmos contra o mal.
“A quem o mal foi feito o mal fará em retribuição”.
W. H. Auden, o poeta, já o havia escrito, e com isto também havia indicado que todos somos capazes de alcançar e praticar o mal. Está em nosso sangue. Hanna Arendt, já havia esclarecido quando falou das dimensões insuportáveis da bondade e da pena, deixando clara a brutalidade do próprio homem contra ele mesmo, inclusive quando ele busca praticar o bem. Brodsky, em seu “Discurso Inaugural” (1983, Cia. das Letras 1994) proferido aos alunos do William Colege, chama a atenção para os perigos do ‘oferecer a outra face’ sem se preparar para uma luta encarniçada de vida ou morte.
O que sabemos, nós que estudamos a psicanálise, é que a brutalidade proíbe o crescimento ético. A brutalidade proíbe o aprofundamento na alma humana, impossibilita-o. A brutalidade não permite sentir, perceber, compartilhar, cooperar. A brutalidade estanca o pensar, fazendo morta a nossa alma. Para reviver, ela precisa ser capaz de responder por si e por seus atos, sentir o peso de sua culpa e transformá-la em responsabilidade. O peso e o pesar são o nosso centro de gravidade, o nosso apoio, a nossa certidão.
Aquele que é capaz de dizer: "Eis-me aqui." Restabelece o ciclo da vida, uma vez que está disposto a tomar para si a responsabilidade pelo que fez, sem procurar por ninguém nas cercanias para acusar. Creio que este é o ângulo epistêmico que está perdido no trabalho freudiano. Ele aborda certas ações do bebê humano sem que, no entanto, faça a exigência da necessária presença (no psíquico desse ser) de um sujeito responsável que pode responder pelo que faz.
Freud, por essa via, executa o banimento do mal do inconsciente colocando-o nas mãos da sexualidade e, com esse banimento exclui também a responsabilidade como uma experiência que tem registro atávico, e que pode ter sido recebida por herança, tanto quanto o mal o foi, no longo caminho trilhado pela evolução de toda humanidade, mas que já está - desde cedo - em nossos bancos de memória ética. Dessa forma, infelizmente, Freud retira da esfera inconsciente o território do mal e da crueldade, tanto quanto retira a morte.
Excluindo o mal da infância, não faz mais que lançar a psicose para um outro contexto distante daquele que ele define como “primário”. Poucos se dão conta desse problema, e poucos compreendem que Klein vem ocupar esse nicho teórico. É por isso que Klein tem que criar um ângulo particular para dizer de um espaço para a ‘não culpa’, uma área mais psicótica ainda, fazendo da cidadela esquizo-paranóide a nova versão que afirma narcisismo ser da mesma ordem da insanidade. Segundo minha compreensão, uma ação que é feita antes do sujeito humano poder ter lugar para ‘ser ele próprio’ no interior do seu espaço mental é um tipo de ação que é impulsiva, é possessão e pura ativação do ato, do instintivo.
Ato sem pensador, assim como o ato sem a presença de um eu, não é um gesto cogitado e preparado no fogão do sonhar, cuidado pela duração do tempo. Ato direto é ato sem alma, coisa do demônio, é coisa do mal. Assim, perdido num emaranhado de possíveis ações não cometidas, mas ‘realizadas na mente’ pela utilização de fantasias violentas, o sujeito sem nome se acusa de todas as dores geradas no mundo e pelas quais não sabe como responder de tão pequeno que é, e de todos os erros cometidos por ele e pelos homens que estiveram em algum momento em transe, possuídos por um desejo incontrolável de agir e cometeram um ato impensado! A culpa onipotente enfatiza que o sujeito necessita acusar-se, necessita punir-se e, para evitar um colapso maior, é comum que, quando assustado, ele tente localizar em algo ou alguém a origem e a causa do mal que lhe acontece ou do mal que ele produz, eliminado a fonte. O resultado disso é confundir pensamento com ação, causa com culpa, e também a onipotência do psíquico com uma ação executada no real. A ação fica sobrecarregada de significados pecaminosos e o sujeito inominado se perde no mundo idealizado da perfeição superegóica, sendo condenado à punição que ele vive como se dela necessitasse.
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O mal revela mais uma vez nosso fracasso diante de nossa insanidade. Com seus componentes de estresse e de produção ativa de ódio e angústias sem nome, o mal destrói a relação com o mundo, com o outro e com o amor.
Uma ação deixa de ser veículo do conhecimento e degrada-se em pura descarga, transformando-se em passagem ao ato. O desespero e a pressa nos tira o chão. Evacuamos tensão, e não temos controle sobre esse movimento. A principal finalidade desse processo é a de livrar o psiquismo de um acúmulo de tensão insuportável, porque não quer ou não pode pensar naquilo que no momento exige esforço e pensamento. É uma defesa primária, como uma válvula que esvazia o mundo interno de seu conteúdo e impede o esforço necessário a qualquer elaboração, deixando passar direto tudo o que recebeu, sem nenhuma digestão, sem nenhum contato com o que foi ingerido, como se nada tivesse sido tocado ou sofrido a influência por ter estado no interior de alguém. Esse vazio causa o desastre, e, como uma flor mortal se abre todo para o mal.
É nesse movimento de não contato - onde prevalece o alheamento - é o que recoloca o mal no mundo. Ele vem como um sonambulismo, uma espécie de embriagues, e se desdobra em outros procedimentos, como se fosse uma serpente, até chegar à evacuação dos sentidos e à expulsão das emoções.
Com isto mergulha-se no psiquismo primitivo e automático da autoconservação e se pode evitar um tipo de angústia gerada pelo sentimento de culpa e de vazio provocado pela expulsão mental das coisas de valor que havia nesse interior. Por sua vez este ato defensivo impede que o luto tente dar conta de digerir a dor que o psíquico gera, e as forças nefastas agora esperam ávidas por alimento e acontecimento.
A ‘turbulência emocional’[3] leva ao suicídio real ou psíquico ou ainda a um tipo de tristeza que é amarga, que é rançosa, e que extrai dos outros o que eles têm de pior.Na clínica a paciência é necessária e a coragem também para enfrentarmos pacientes com esses traços. Mas o golpe de cajado, bem dado, no centro da testa, no momento certo, seguramente os fará melhores. É necessário termos estômago para ouvir, nas milhares de vozes que falam na mente de um homem em delírio melancólico o desejo secreto de urdir, pela perda dos objetos, a convicção de não ter que retribuir amor a quem se pede. O mal está aí, ao alcance de nossas mãos. Infelizmente, mesmo tratados, esses homens sem mente, logo se cansam e, lançam mão do pior: a humilhação; isto é lançam mão da grande defesa contra a presença do outro.
O mal revela mais uma vez nosso fracasso diante de nossa insanidade. Com seus componentes de estresse e de produção ativa de ódio e angústias sem nome, o mal destrói a relação com o mundo, com o outro e com o amor.
Uma ação deixa de ser veículo do conhecimento e degrada-se em pura descarga, transformando-se em passagem ao ato. O desespero e a pressa nos tira o chão. Evacuamos tensão, e não temos controle sobre esse movimento. A principal finalidade desse processo é a de livrar o psiquismo de um acúmulo de tensão insuportável, porque não quer ou não pode pensar naquilo que no momento exige esforço e pensamento. É uma defesa primária, como uma válvula que esvazia o mundo interno de seu conteúdo e impede o esforço necessário a qualquer elaboração, deixando passar direto tudo o que recebeu, sem nenhuma digestão, sem nenhum contato com o que foi ingerido, como se nada tivesse sido tocado ou sofrido a influência por ter estado no interior de alguém. Esse vazio causa o desastre, e, como uma flor mortal se abre todo para o mal.
É nesse movimento de não contato - onde prevalece o alheamento - é o que recoloca o mal no mundo. Ele vem como um sonambulismo, uma espécie de embriagues, e se desdobra em outros procedimentos, como se fosse uma serpente, até chegar à evacuação dos sentidos e à expulsão das emoções.
Com isto mergulha-se no psiquismo primitivo e automático da autoconservação e se pode evitar um tipo de angústia gerada pelo sentimento de culpa e de vazio provocado pela expulsão mental das coisas de valor que havia nesse interior. Por sua vez este ato defensivo impede que o luto tente dar conta de digerir a dor que o psíquico gera, e as forças nefastas agora esperam ávidas por alimento e acontecimento.
A ‘turbulência emocional’[3] leva ao suicídio real ou psíquico ou ainda a um tipo de tristeza que é amarga, que é rançosa, e que extrai dos outros o que eles têm de pior.Na clínica a paciência é necessária e a coragem também para enfrentarmos pacientes com esses traços. Mas o golpe de cajado, bem dado, no centro da testa, no momento certo, seguramente os fará melhores. É necessário termos estômago para ouvir, nas milhares de vozes que falam na mente de um homem em delírio melancólico o desejo secreto de urdir, pela perda dos objetos, a convicção de não ter que retribuir amor a quem se pede. O mal está aí, ao alcance de nossas mãos. Infelizmente, mesmo tratados, esses homens sem mente, logo se cansam e, lançam mão do pior: a humilhação; isto é lançam mão da grande defesa contra a presença do outro.
Dr. Tomazelli
[1] “A vontade humana não é nunca de início neutra, sem história, sem hábitos, sem natureza adquirida. De fato e originalmente. Por quê? É aí que tudo se liga ou tudo se dissolve: pois o homem só é sujeito quando é chamado (denominado); só é sujeito quando responsável. Perante uma lei, diz Kant, aquela que nos faz notadamente pensar que nos pensamos diferentes da natureza pura. Que somos marca e fato de diferença. De dissidência, singulares. Logo, ser chamando é ser eleito. É voltar para Deus. E porque se trata aqui de história concreta, particular, de um acerta forma contingente e, ao mesmo tempo, sem paradoxo, originário ou de lugar constitutivo. Lugar de surgimento, somente o mito e a religião permitem afirmá-lo. Meditar sobre o mal é, para Ricouer e toda a tradição que ele retoma, afirmar uma falha ao coração de todo o enclausuramento do ser total e, radicalmente, apoiar-se nesta ruptura para ser. Neste sentido, o mal (tal como Deus) não é intemporal; acontece, de ‘uma vez por todas’, perante aquilo a que minha liberdade efetiva é somada, chamada e provocada a existir.” (Ricoueur, Paul O mal: um desafio à filosofia e à teologia. Tradução de Maria da Piedade Eça de Almeida. Campinas, SP, Papirus, 1988) [2]Pierre Gisel O mal: um desafio à filosofia e à teologia. Tradução de Maria da Piedade Eça de Almeida. Campinas, SP, Papirus, 1988). Prefácio [3] Bion, Wilfred Revista Brasileira de Psicanálise, v. XXI, número 1, ano 1987, p. 121
domingo, 18 de janeiro de 2009
Cães...
Cachorro na coleira
Cão de garoto truculento,
cão de cão,
cão de pit (bull) boy,
cão de madame (histérica ou deprimida),
cão para ‘trazer’ criança quando o casal ainda não é pai,
cão para acalmar criança quando já são pais,
cão para acompanhar a vovó que perdeu o marido, mesmo quando não perdeu.
cão pra substituir um filho morto ou pra substituir um filho não nascido, e que nunca irá nascer. Cão de cão. Amor pelo cão. Cão amor. "Amor-i-cão"!
Cão para ocupar o vazio genocida do homem solitário incapaz de amor.... mesmo que esse amor seja amar um outro homem... Não, não!, este homem só ama cão: homeamacão!
...ou aquele cão que tapa o vazio dolorido que marido bom deixa na mulher amada...
Cão para salvar um homem que sofre com o luto de sua mulher.
Cão de grude,
cão de grade,
cão de enfeite,
cão patife,
cão de portão,
cão perdido,
cão devoto,
cão de serviço,
cão de cego, cão de amor (meu deus que horror),
cão de guia, cão de sexo, cão de morte...
Devoção ao cão: devo-cão! Cão de labro. Cão de coração. Cão pião. Cão positor. Cão çado!
Cão tinente!
Cão de horror...
Detesto seres de companhia...
Me bastam meus chinelos e os pijamas surrados.
Aos homens prefiro os lobos
se não...
prefiro estar só.
Dr. Tomazelli
Cão de garoto truculento,
cão de cão,
cão de pit (bull) boy,
cão de madame (histérica ou deprimida),
cão para ‘trazer’ criança quando o casal ainda não é pai,
cão para acalmar criança quando já são pais,
cão para acompanhar a vovó que perdeu o marido, mesmo quando não perdeu.
cão pra substituir um filho morto ou pra substituir um filho não nascido, e que nunca irá nascer. Cão de cão. Amor pelo cão. Cão amor. "Amor-i-cão"!
Cão para ocupar o vazio genocida do homem solitário incapaz de amor.... mesmo que esse amor seja amar um outro homem... Não, não!, este homem só ama cão: homeamacão!
...ou aquele cão que tapa o vazio dolorido que marido bom deixa na mulher amada...
Cão para salvar um homem que sofre com o luto de sua mulher.
Cão de grude,
cão de grade,
cão de enfeite,
cão patife,
cão de portão,
cão perdido,
cão devoto,
cão de serviço,
cão de cego, cão de amor (meu deus que horror),
cão de guia, cão de sexo, cão de morte...
Devoção ao cão: devo-cão! Cão de labro. Cão de coração. Cão pião. Cão positor. Cão çado!
Cão tinente!
Cão de horror...
Detesto seres de companhia...
Me bastam meus chinelos e os pijamas surrados.
Aos homens prefiro os lobos
se não...
prefiro estar só.
Dr. Tomazelli
A raiva.
Observações a cerca da experiência de raiva
Por que a raiva é algo muito comum de ser sentido?
Partindo desta pergunta, sugiro:
O comportamento hostil é mais simples que o comportamento amoroso, logo, mais freqüente. O gesto hostil requer apenas uma via de descarga, que é o agir. O ato, a ação são próprios pra isto. Mexemos os músculos e nos livramos da tensão imediata acumulada – a inteligência ajuda a disfarçar a brutalidade maquiando a atitude manifesta. Por exemplo, a criança xinga a própria mãe. A mãe, para não revidar a brutalidade do filho, engole o sapo da raiva que ele lhe despertou e finge que o ama, mesmo que ele seja um estúpido com ela. Pronto, esta feita a confusão! Ela fica desgastada pelo trabalhão que teve para conter-se, e o garoto, que faz vista grossa para o que ele mesmo fez, fica impune e equivocadamente cheio de razão, ao supor-se certo, 'cheio de razão'. Aí mora o perigo.
O agir de supetão ou de impulso não precisa da ajuda do pensamento. Infelizmente os atos agressivos são menos evoluídos que os que envolvem respeito, consideração, solidariedade. Podem evoluir em maldade, não em inteligência. O pequeno exemplo acima confirma.
Temos raiva à toa de qualquer coisa que nos desorganize ou nos retire da chamada área de conforto – isto é, a área de não surpresa! Qualquer frustração - ou falta - é suficiente para exigir de nós operações tantas e tão complexas que, para acessarmos esse nível, deveremos fazer um enorme esforço de adiamento e de contenção emocional. Além do que, a espera é uma experiência muito difícil para todos nós. Saber aguardar, ter maturidade para permanecer calmo sem saber o que se está vivendo, ter serenidade para observar o que está acontecendo ao redor, e paciência para formular pensamentos úteis ao invés de fantasias que substituam a realidade; são comportamentos que exigem muito de nós.
Quanto mais infantis somos, mais raivosos, mais desrespeitosos, mais toscos e mais truculentos. Quanto mais fechados em nosso narcisismo menos sentido o outro humano tem, poém mais medo ele gera. Nossa bondade, mesmo a mais genuína, está sempre carregada de impulsos negativos para os quais não temos explicação. Os psicoterapeutas sabem muito bem disso, e é exatamente por esta razão que os tratamentos não progridem ou terminam de forma abrupta. A raiva às nossas falhas nos dificulta o desenvolvimento que deveríamos realizar para curá-las. Olha só o paradoxo!
Somos dominados por coisas aparentemente tolas porque, apesar da nossa criatividade e da incomensurável inteligência de que dispomos, somos tolos, mesquinhos, invejosos, pobre de espírto, menores; e, além disso, desenvolvemos um amor pelo nosso ego feito todo de arrogância que cultiva diariamente a nossa "negra flor de ódio".
Só mesmo pensando como Freud pensou o narcisismo, compreenderemos que temos uma relação sensual e passional com nosso ego. Somos auto-apaixonados. Desejamo-nos mais que a qualquer um, estamos cegos ao outro, pois a autoconservação nos demanda olharmos somente para o nosso 'eu'. Mesmo que não façamos nada que aparente amor por nós, somos auto-devotados. Teimosos, renitentes, somos metódica e precisamente sempre nós mesmos, e impomos nossas regras ao outro, e, se esse outro não as aceita, impomos a ele o nosso desamor, o nosso ódio, o nosso rancor, a nossa traição. Fingimos que vamos negar-lhe o que nunca tivemos para dar. É mesmo contraditório!
Para lidar com a raiva e os sentimentos agressivos... Bem, isso exige, exige de nós muito esforço e muita vontade de trabalhar.
Geralmente o medo e a tristeza ajudam-nos a ficar mais amorosos, menos arrogantes, menos imortais, mais perecíveis e efêmeros. Curiosamente esses sentimentos mais delicados, mais densos e mais profundos nos ajudam a sermos menos destrutivos e a raiva diminui ou, minimamente, se abranda. Para lidarmos com a raiva, a única via madura possível, é a de querermos dar aos outros o melhor de nós mesmos. Sem essa trabalhosa busca de oferecer o melhor, nada feito. E, para isso, há somente um caminho: não dar respostas de impulso. Não reagir e justificar a reação como adequada dizendo que o outro fez o que fez, e, portanto, 'eu só respondi!' Temos que buscar o amor, que é todo falho, mas que é o amor! Como nos diria Sponville: "é o amor o que nos salva". Desenvolvermos a fé em fazermos de nós o que de melhor pode ser feito é darmos o melhor de nós, e, para que isto nos possa fazer melhores vidas, o melhor que fazemos é dar o que temos de melhor. Isto, certamente, nos fará melhor!!
Dr. Tomazelli
Por que a raiva é algo muito comum de ser sentido?
Partindo desta pergunta, sugiro:
O comportamento hostil é mais simples que o comportamento amoroso, logo, mais freqüente. O gesto hostil requer apenas uma via de descarga, que é o agir. O ato, a ação são próprios pra isto. Mexemos os músculos e nos livramos da tensão imediata acumulada – a inteligência ajuda a disfarçar a brutalidade maquiando a atitude manifesta. Por exemplo, a criança xinga a própria mãe. A mãe, para não revidar a brutalidade do filho, engole o sapo da raiva que ele lhe despertou e finge que o ama, mesmo que ele seja um estúpido com ela. Pronto, esta feita a confusão! Ela fica desgastada pelo trabalhão que teve para conter-se, e o garoto, que faz vista grossa para o que ele mesmo fez, fica impune e equivocadamente cheio de razão, ao supor-se certo, 'cheio de razão'. Aí mora o perigo.
O agir de supetão ou de impulso não precisa da ajuda do pensamento. Infelizmente os atos agressivos são menos evoluídos que os que envolvem respeito, consideração, solidariedade. Podem evoluir em maldade, não em inteligência. O pequeno exemplo acima confirma.
Temos raiva à toa de qualquer coisa que nos desorganize ou nos retire da chamada área de conforto – isto é, a área de não surpresa! Qualquer frustração - ou falta - é suficiente para exigir de nós operações tantas e tão complexas que, para acessarmos esse nível, deveremos fazer um enorme esforço de adiamento e de contenção emocional. Além do que, a espera é uma experiência muito difícil para todos nós. Saber aguardar, ter maturidade para permanecer calmo sem saber o que se está vivendo, ter serenidade para observar o que está acontecendo ao redor, e paciência para formular pensamentos úteis ao invés de fantasias que substituam a realidade; são comportamentos que exigem muito de nós.
Quanto mais infantis somos, mais raivosos, mais desrespeitosos, mais toscos e mais truculentos. Quanto mais fechados em nosso narcisismo menos sentido o outro humano tem, poém mais medo ele gera. Nossa bondade, mesmo a mais genuína, está sempre carregada de impulsos negativos para os quais não temos explicação. Os psicoterapeutas sabem muito bem disso, e é exatamente por esta razão que os tratamentos não progridem ou terminam de forma abrupta. A raiva às nossas falhas nos dificulta o desenvolvimento que deveríamos realizar para curá-las. Olha só o paradoxo!
Somos dominados por coisas aparentemente tolas porque, apesar da nossa criatividade e da incomensurável inteligência de que dispomos, somos tolos, mesquinhos, invejosos, pobre de espírto, menores; e, além disso, desenvolvemos um amor pelo nosso ego feito todo de arrogância que cultiva diariamente a nossa "negra flor de ódio".
Só mesmo pensando como Freud pensou o narcisismo, compreenderemos que temos uma relação sensual e passional com nosso ego. Somos auto-apaixonados. Desejamo-nos mais que a qualquer um, estamos cegos ao outro, pois a autoconservação nos demanda olharmos somente para o nosso 'eu'. Mesmo que não façamos nada que aparente amor por nós, somos auto-devotados. Teimosos, renitentes, somos metódica e precisamente sempre nós mesmos, e impomos nossas regras ao outro, e, se esse outro não as aceita, impomos a ele o nosso desamor, o nosso ódio, o nosso rancor, a nossa traição. Fingimos que vamos negar-lhe o que nunca tivemos para dar. É mesmo contraditório!
Para lidar com a raiva e os sentimentos agressivos... Bem, isso exige, exige de nós muito esforço e muita vontade de trabalhar.
Geralmente o medo e a tristeza ajudam-nos a ficar mais amorosos, menos arrogantes, menos imortais, mais perecíveis e efêmeros. Curiosamente esses sentimentos mais delicados, mais densos e mais profundos nos ajudam a sermos menos destrutivos e a raiva diminui ou, minimamente, se abranda. Para lidarmos com a raiva, a única via madura possível, é a de querermos dar aos outros o melhor de nós mesmos. Sem essa trabalhosa busca de oferecer o melhor, nada feito. E, para isso, há somente um caminho: não dar respostas de impulso. Não reagir e justificar a reação como adequada dizendo que o outro fez o que fez, e, portanto, 'eu só respondi!' Temos que buscar o amor, que é todo falho, mas que é o amor! Como nos diria Sponville: "é o amor o que nos salva". Desenvolvermos a fé em fazermos de nós o que de melhor pode ser feito é darmos o melhor de nós, e, para que isto nos possa fazer melhores vidas, o melhor que fazemos é dar o que temos de melhor. Isto, certamente, nos fará melhor!!
Dr. Tomazelli
quarta-feira, 14 de janeiro de 2009
Pulsão de morte?
A morte é o feminino da pulsão.
Acho melhor assim a ter que escolher entre duas pulsões.
Vida e morte são uma unidade. Revelam-se, cada uma ao seu modo, esquivas a sua própria figuração. Tanto uma quanto a outra são simulacros, e neles se revelam, mas jamais se dão a conhecer.
Vida e morte, talvez equivalha apenas a dizer que o núcleo do ser é uma contradição. Ponto. Isto já ficou claro com o que Bion falou do casal parental: "a unidade é o par." (é Bion, mas não sei onde está)
A contradição e o pradoxo são os estados mais elevados da mente humana. Isto é certo. Por isso a mente é triste. E é triste porque é complexa. Por isso uma só pulsão, com duas formas de figuração. É do mesmo que se trata, visto de duas perspectivas, como no símbolo do Tao, que comporta todas as contradições possíveis.
Pulsão de vida, não é qualidade moral, não é um termo que quer dizer que isto é 'bom'. Vida apenas quer dizer que há ligação. Morte, seu feminino, é o insidoso do desligamento.
E só.
Dr. Tomazelli
Acho melhor assim a ter que escolher entre duas pulsões.
Vida e morte são uma unidade. Revelam-se, cada uma ao seu modo, esquivas a sua própria figuração. Tanto uma quanto a outra são simulacros, e neles se revelam, mas jamais se dão a conhecer.
Vida e morte, talvez equivalha apenas a dizer que o núcleo do ser é uma contradição. Ponto. Isto já ficou claro com o que Bion falou do casal parental: "a unidade é o par." (é Bion, mas não sei onde está)
A contradição e o pradoxo são os estados mais elevados da mente humana. Isto é certo. Por isso a mente é triste. E é triste porque é complexa. Por isso uma só pulsão, com duas formas de figuração. É do mesmo que se trata, visto de duas perspectivas, como no símbolo do Tao, que comporta todas as contradições possíveis.
Pulsão de vida, não é qualidade moral, não é um termo que quer dizer que isto é 'bom'. Vida apenas quer dizer que há ligação. Morte, seu feminino, é o insidoso do desligamento.
E só.
Dr. Tomazelli
terça-feira, 13 de janeiro de 2009
Opor Freud e Klein vale a pena?
Uma breve discussão com um freudiano:
Dedico este texto ao meu amigo Menezes; mesmo que ele se zangue comigo ou nem possa comigo concordar!
No artigo “O ódio e a agressividade na metapsicologia freudiana” (Menezes, 2001), Menezes alinhava e rearticula as discussões freudianas sobre o ódio e a destrutividade. Em uma palavra, digamos assim, torna essa diatribe correta e enxuta. O texto é preciso e não deixa brechas. A manutenção de uma fidelidade ao freudismo se destaca junto a uma rigorosa leitura metapsicologica que, ao final do raciocínio, critica inclusive Freud e se pergunta qual a necessidade real de existir uma teoria que propõe haver “uma pulsão de destruição” (p. 152) Cito um pequeno trecho:
“Finalmente, a pulsão de morte pode permanecer ‘no organismo’ ligada à libido na forma de um masoquismo primário, chamado por Freud de masoquismo erógeno. A concepção de um masoquismo primário não encontra equivalente na primeira teoria das pulsões, a menos que retomemos a noção de co-excitação sexual dos ‘Três Ensaios’. Freud diz ali que qualquer emoção como a angústia, o medo ou mesmo a dor, pode produzir excitação sexual. Em ‘Pulsões e suas Vicissitudes’, ele escreve que ‘infligir a dor (ao objeto) não desempenha nenhum papel nos objetivos originariamente visados pela pulsão. Para a criança sádica, infligir dor... não é o que ela visa’ .(Freud, 1915). É somente depois de experimentada em si mesma a excitação sexual ligada à dor – por co-excitação -, quer dizer a satisfação masoquista, que pode infligir dor ao outro, agredir, fazer mal, passa a ser um objetivo pulsional. Laplanche nota, com razão, que o primeiro tempo sexual é o masoquista. O tempo propriamente sádico supõe um tempo sexual masoquista anterior, de maneira que já existe neste texto, ainda no quadro da primeira teoria das pulsões, há a noção de um masoquismo primário. Confesso, pois, que não consigo ver o que o conceito de uma pulsão de destruição acrescenta para a elucidação do problema que nos ocupa, qual seja o da origem, da natureza e dos destinos do ódio. Quanto à origem e à natureza do ódio, perece-me bem mais fecunda a teoria anterior, que põe em relação ódio e narcisismo. Quanto aos destinos do ódio, não há duvidas de que, nos textos posteriores a ‘Além do Princípio de Prazer’, há uma nítida consolidação do espaço crescente que vinha sendo ocupado pelo sadismo e pelo masoquismo na metapsicologia freudiana. O sadismo e o masoquismo perecem estar de alguma maneira presentes, desde então, em todas as modalidades da libido. Freud afirma em 1924, que o ‘o masoquismo erógeno toma parte em todas as fases do desenvolvimento da libido e empresta delas a sucessão de roupas psíquicas que reveste’: ‘a angústia de ser devorado’ ligada à organização oral, o ‘desejo de apanhar’ à fase sádico-anal e até mesmo as fantasias de castração da fase fálica comportando uma satisfação masoquista.” (p.152)
Melanie Klein, não necessita de todo esse contencioso teórico para falar do ódio. Não opõe (nem compõe) ódio a narcisismo, mesmo que esta hipótese não seja de todo uma má hipótese. Pelo contrário, além de não considerar o narcisismo um período evolutivo, mas um ato psicótico de encapsulamento, o ódio do qual ela fala é um ódio derivado de um pavor talâmico, da ordem da autoconservação. É tão ancestral, que dispensa teorias que esclarecem mecânicas do erotismo. Mesmo que para o que Freud falava fosse muito interessante que ele pudesse produzir teoria que desse um bom sustento lógico para que um produto psíquico viesse a entrar na imaginação e ser representado, sendo também manifesto.
Ódio puríssimo é dirigido contra o eu antes mesmo deste existir. Isto representa (se é que se pode falar de representação neste começo) que o originário de Klein não é derivado da lógica que trabalha com a idéia de co-excitação gerada pela própria dor. Esse ódio derivada-se, seca e singelamente, de uma excitação psicótica de pode desejar não estar vivo, e que nos propõe um campo negativo para operar sem limites.
Devo reconhecer que o parágrafo citado, não deixa de ser uma afirmativa que me intriga pela precisão e, mais que tudo, pela astúcia. Mas, se meu faro não me equivoca, refere-se - além da falar sobre uma questão de teoria - a algo mais institucional, mas canibal e que insiste em reabrir compulsivamente uma discussão que dá preferência a manter Klein distante de Freud como uma abordagem desviante e desnecessária para os psicanalistas mais puros[1].
André Green pode exemplificar o que digo, cito-o:
“Enquanto alguém vive, fala e escreve de modo, às vezes, provocante; suscita o conflito, a inveja, a identificação projetiva. É preciso que a pessoa morra para que no trabalho de luto nós nos dediquemos a uma reparação tardia.
É por isso que hoje redemos justiça à Melanie Klein, após termo-nos referido à sua obra principalmente para criticá-la.” (p. 7)[2]
Afinal, tudo já estaria em Freud? Só posso lamentar. Penso que esse modo antigo de instalar um “não sentido” na problemática pulsional do ódio como Klein o coloca, proibindo-lhe o estatuto de uma força cega e originária que também deseja, traz problemas de espaço e conforto para o livre pensar necessário para a produção de ciência, como também para levar uma investigação até seu ponto mais íngreme.
Klein fala de um impulso que deseja e, além disto, cobra, exige obriga que o homem se disponha a uma ação contra a própria vida e contra a manifestação da existência, e que esta ação seja executada a qualquer preço, e que um nada baste para que um simples pensamento seja convertido em lógica do ato e em realidade pública de escárnio, independente das conseqüências para o indivíduo e para o grupo humano. Será que isto não e suficiente? Será que não está, em nenhum ponto, de acordo com a definição de pulsão em Freud? Se assim for, creio que encaminhamos a discussão para um procedimento de disputa de território, que mais emperra que esclarece a clínica psicanalítica.
Parece ser menor compreender o gesto de inclusão e de acréscimo teórico que Klein propõe, quando privilegia o ódio do sujeito por si mesmo e pelo outro que o contem, e a importância teórico-clínica da mesma, pois se necessita ficar nas diferentes ramagens das palavras ditas por Freud, para manter uma “fidelidade” que vejo como desnecessária. O ódio, em Klein, vem explicitar e esclarecer o sexual, e deriva do estudo que ela fazia, auxiliada pela obra freudiana, sobre o psiquismo infantil. Ela jamais se viu distante dele querendo dizer que tinha melhores idéias. Pelo contrário sua escrita revelava e ainda revela o quanto foi mamar nele para propor os novos rabiscos que propôs a partir do rabisco primário.
Toda vez que se toca neste assunto, não me parece desimportante lembrar que compreender o papel do ódio na constituição emocional do sujeito, e na reafirmação de sua imaturidade constitucional destrutiva, é função de uma ciência da mente, que sabe que a psicanálise enquanto prática clínica, não permite escolas, mas requer atitudes que sejam eficazes e terapêuticas na hora e no local do crime cometido, isto é: lá na sessão.
Conduzir uma sessão psicanalítica está longe de ser tão leve como saber se a morte ou o sexo prevalecem como impulsos suficientemente destrutivos em si mesmos na mente do doente mental. Ao cliente necessitado de cura, pouco importa o que nós teorizamos sobre as origens do ódio desde que possamos - de modo maduro - aliviar suas dores e dar-lhes instrumentos eficazes de defesa contra a própria psicose e instrumentos que ajudem a incrementar a área de sanidade.
Se a morte – como um instinto (sublimação criacionista [Lacan, 1988, p. 260] , é claro!) – não pode dar suporte a uma teoria da destrutividade como algo independente da libido e de Eros, devemos nos perguntar, então o quanto isso altera a clínica. Caso compreendamos que a alteração tende a zero, façamos o seguinte, abramos mão de defesas e escolas, deixemos que o ódio seja resumido a um elemento não necessário, ou apenas colateral, que não é exigido como essencial à sustentação do sentido brutal da pulsão e da compulsão à repetição, e passemos a aceitar o que afirmam os freudianos. Quem sabe assim possamos perder menos tempo com a micro-diferença e tomemos a teoria da sexualidade como um eixo suficiente para ser suporte da expressão da violência e do desligamento nas relações humanas.
Melanie Klein nunca esteve interessada nessa questão, estava concentrada na questão do superego e nas dimensões de masoquismo e violência que, por si só, este objeto interno já propõe e contempla, e na quantidade de ódio que sua existência gera e congrega. Preocupação esta derivada de sua observação do que via na clínica e nas leituras que fazia de Freud. Laplanche apurou o assunto e esclareceu “tudo” quando sugeriu que a 'bennedeta' pulsão destrutiva poderia ser chamada de pulsão sexual de morte. De qualquer forma creio que seja impossível evitar ler em Klein a profunda revisão da teoria do sadismo e do masoquismo, e das relações brutais entre ego e superego, dirigindo o olhar sobre o campo das psicoses e dos estados fronteiriços e tornando-os mais claros, investigáveis e abordáveis pela técnica. Para uma clínica de psicoterapia, que por vezes nos faz esquecer de pensar, tais são as inúmeras dificuldades para conduzir as curas a bom termo, e onde o trabalho, de tão árduo, que nos anula, trazer para o foro público essas controvérsias teóricas, por vezes, apenas dificultam mais ainda a compreensão da gravidade do problema da condução do ódio durante um tratamento e dos atos psicanalíticos para curá-lo.
A manutenção do conclave dificulta apreender a contribuição kleiniana em sua originalidade. Ou seja, com a precisão só se evita ver que a contribuição kleiniana nos coloca de cara com o terreno não da constatação dos mecanismos de defesa, mas antes adverte sobre o drama ético que está incluído nas defesas psíquicas, que primam pelo rebaixamento do caráter e das condutas. Isto é, Klein adverte aos profissionais da área, que todo psiquismo aceita uma degradação ética quando entra em pânico, e isto implica que, antes do amor, será o ódio, antes da amizade a desconfiança.
Uma enorme porção da problemática kleiniana fica escondida se seguimos discutindo se a destrutividade tem origem sexual ou é pulsão independente. O sistema kleiniano é devorador e pantagruélico, engole tudo o que há em Freud, e acrescenta toques pessoais, depois de já ter comido Frenczi, Rank, Helen Deutch. Não rejeita nada, pelo contrário, enfatiza o drama agressivo dos romances edípicos e da formação do superego, tanto quanto enfatiza a tremenda desordem do eu ao nascer, re-definindo de modo magistral aquilo que em Freud era pura mecânica da imaturidade - o auto-erotismo - transformando-o em cena primeva localizada no interior do corpo da mãe. Remarcando a nossa condenação ao outro, e esse infeliz destino de manter um hétero-eu no centro de nosso eu.
Ao lado disso, esse tipo de diálogo desconsidera a influência que Klein operou sobre a técnica (que mais tarde viria a ser tomada de modo extremamente rígido pelos analistas latino-americanos, certamente incluídos aí os brasileiros como expoentes importantes do recurso à dureza. Restos da truculência militar dos anos 64/84 no interior da sociedade de psicanálise, restos também da tamanha desumanidade que a neutralidade e o rigor técnico deixam como sinais de nossa adesão ao mundo institutcional). A reviravolta na concepção de transferência onde o que se transfere se refere não mais ao passado, mas ao fantasma, à tormenta emocional, a dor, dá mostras que o pensamento desenvolvido por Melanie Klein ainda está para ser redescoberto e incluído como um dos raciocínios mais lúcidos sobre o que Freud escreveu sobre a pulsão, sobre a representação e o representante, sobre o narcisismo, sobre o ego e sobre o superego.
Não se pode esquecer que o corpo, o biológico, o somático, aos olhos da senhora Klein, ganham outro sabor e complexidade que, a meu ver, ela faz jus ao direito de ser considerada uma das verdadeiras interlocutoras de Freud. Vale lembrar a título histórico, que em Klein a sexualidade é um recurso, é um índice corporal que contribui favoravelmente como o processo de simbolização. A cópula é vista por ela como um grande organizador dos destinos da pulsão e do corpo do sujeito. Sexual em Klein é ordem, é criatividade, é regeneração, recriação e reparação. Só será destruída se for invadida pelas pulsões parciais pré-genitais, isto é, o auto-erotismo. Ou seja, o que na verdade a teoria propõe é, em uma palavra, concluir que Eros, em sua organização primordial, é destrutivo. É isto que nos ensina Klein, mesmo que nos ensine também que o sexual é criativo. Não é certo em nada do que se lê em Klein que ela tenha proposto uma nova pulsão, creio que ela apenas enfatizou que a organização primitiva da sexualidade é da ordem da destrutividade.
Dr. Tomazelli
[1] E esses psicanalistas nem são feitos em Havana que, como nos dizem os cubanos quando falam de tabaco e especificamente aos charutos, chamando-os de: los puros!
[2] Demais... é demais! Revista Ensaios- - uma publicação do CEPSI – Centro de estudos em psicanálise. Ano 1 – número 1 – 1988. Instituto Sedes Sapientiae. Curos Formação em Psicanálise.
Anorexia e anoréticos: os parasitas psíquicos!
"FOME — Divindade alegórica filha da Noite. Vergílio a coloca nas portas do Inferno; outros, à margem do Cocito; Ovídio, numa montanha gelada, o Cáucaso. Ovídio assim a pinta: “...Ela vê a Fome, a quem procurava, num campo pedregoso, arrancando com suas unhas e seus dentes raras ervas. Tinha os cabelos hirsutos, os olhos cavos, o rosto pálido, os lábios descorados e murchos, a voz rouca e rascante, pele dura, através da qual se podiam ver as entranhas. Seus ossos descarnados faziam saliências sôbre os rins arqueados; como ventre não tinha senão o lugar do ventre; podia-se crer que o seu peito flácido só tinha a ossatura da espinha dorsal. A magreza havia exagerado suas articulações; o redondo dos joelhos era inchaço e os calcanhares sobressaíam em desmesurada protuberância...” Nada melhor ilustra a fôrça diabólica dessa cruel divindade que a história de Erisícton, rei da Tessália. Homem ímpio e poderoso, não temia nem reverenciava os deuses. Um dia víolou um bosque consagrado a Ceres. Derrubou as árvores com as fitas, com as oferendas, com os festões e as tabuinhas comemorativas. Derrubou um carvalho imenso, sécular, que sozinho valia por uma floresta, sagrado; como seu criado não o quisesse ferir com o machado, Erisícton, primeiro, blasfema dizendo que, mesmo que o carvalho fôsse não só a árvore favorita da deusa, mas a própria deusa, tocaria a terra com a sua copa, e, depois, derruba-o com o ferro. O sangue esguicha do tronco ferido, as fôlhas perdem a côr, os galhos desfalecem. Um dos assistentes quer deter o machado sacrílego; Erisícton, com um golpe, corta-lhe a cabeça. As Dríades, vestidas de luto, correm a Ceres pedindo justiça. A deusa, então, resolve recorrer à Fome. Mas, como os Destinos não permitem o encontro de Ceres com a Fome, é necessário que uma Oréade vá a sua procura. A Fome, ainda que contrária à obra de Geres, conforma-se com as instruções da deusa. Dirige-se ao palácio de Erisícton, entra na sua alcova, onde ele placidamente dormia, aperta-o nos braços, entra-lhe pelo corpo, envolve-o todo, enche o vazio das veias com uma fome devoradora, uma bulimia feroz Erisícton desperta faminto. Come, come com apetite devorador, exige mais alimento, mais bebida, e sua fome sempre a crescer. O que daria para saciar uma cidade inteira, deixa-o faminto. Sua fome, o gôlfo sem fundo do seu ventre, já havia consumido parte dos bens que herdara do pai. Não faz outra coisa senão comer e uivar de fome. Por fim, seus bens todos foram vendidos para aplacar a fome insaciável. Resta-lhe a filha, digna de outro pai. Vende-a. E a fome sempre a crescer, cada vez mais imperiosa e terrível. Erisícton, então, começa a comer seus próprios membros. Devora-se a si mesmo. — V. METRA• "
Dicionário de mitologia greco-latina. Tassilo Orpheu Spalding Ed Itatiaia Ltda. 1965
Dicionário de mitologia greco-latina. Tassilo Orpheu Spalding Ed Itatiaia Ltda. 1965
segunda-feira, 12 de janeiro de 2009
Cuba!
Há cubanos que ainda não estão mortos, Yoani Sánchez é um destes!
http://desdecuba.com/generaciony/
Se você quiser conheça Cuba, mas depois não diga que eu não avisei.
Dr. Tomazelli
http://desdecuba.com/generaciony/
Se você quiser conheça Cuba, mas depois não diga que eu não avisei.
Dr. Tomazelli
Simbólico!
“O simbólico está além da autoconservação: enquanto houver temor pela vida o significado do outro jamais alcançará sentido.”
(Emir Tomazelli, 2008)
(Emir Tomazelli, 2008)
Psicanálise e budismo!
Benilton Bezerra fala de psicanálise e budismo!
Esta palestra talvez possa interessar àqueles que têm disponibilidade de lidar com contradições como esta que se apresenta entre psicanálise e budismo, e que Benilton sintetiza em sua fala!
http://www.levir.com.br/salao7.php?num=0138
Dr. Tomazelli
Esta palestra talvez possa interessar àqueles que têm disponibilidade de lidar com contradições como esta que se apresenta entre psicanálise e budismo, e que Benilton sintetiza em sua fala!
http://www.levir.com.br/salao7.php?num=0138
Dr. Tomazelli
sexta-feira, 9 de janeiro de 2009
Forjando a Armadura
Algo em que eu gostaria de crer. Algo que eu gostaria de praticar. Mas não passa de uma tentativa que, frenquentemente, me escapa!
Forjando a Armadura
"Nego submeter-me ao medo,
Que tira a alegria de minha liberdade,
Que não me deixa arriscar nada,
Que me torna pequeno e mesquinho,
Que me amarra,
Que não me deixa ser direto e franco,
Que me persegue,
Que ocupa negativamente a minha imaginação,
Que sempre pinta visões sombrias.
No entanto, não quero levantar barricadas por medo do medo.
Eu quero viver, não quero encerrar-me.
Não quero ser amigável por medo de ser sincero.
Quero pisar firme porque estou seguro.
E não porque encobri meu medo.
E quando 'me calo', quero fazê-lo por amor.
E não por temer as conseqüências de minhas palavras.
Não quero acreditar em algo só por medo de acreditar.
Não quero filosofar por medo de que algo possa atingir-me de perto.
Não quero dobrar-me só porque tenho medo de não ser amável.
Não quero impor algo aos outros, pelo medo de que possam impor algo a mim.
Por medo de errar não quero tornar-me inativo.
Não quero fugir de volta para o velho, o inaceitável, por medo de não me sentir seguro no novo.
Não quero fazer-me de importante porque tenho medo de que se não poderia ser ignorado.
Por convicção e amor quero fazer o que faço e deixar de fazer o que deixo de fazer.
Do medo quero arrancar o domínio e dá-lo ao amor.
E quero crer no reino que existe em mim."
Rudolf Steiner
"Nego submeter-me ao medo,
Que tira a alegria de minha liberdade,
Que não me deixa arriscar nada,
Que me torna pequeno e mesquinho,
Que me amarra,
Que não me deixa ser direto e franco,
Que me persegue,
Que ocupa negativamente a minha imaginação,
Que sempre pinta visões sombrias.
No entanto, não quero levantar barricadas por medo do medo.
Eu quero viver, não quero encerrar-me.
Não quero ser amigável por medo de ser sincero.
Quero pisar firme porque estou seguro.
E não porque encobri meu medo.
E quando 'me calo', quero fazê-lo por amor.
E não por temer as conseqüências de minhas palavras.
Não quero acreditar em algo só por medo de acreditar.
Não quero filosofar por medo de que algo possa atingir-me de perto.
Não quero dobrar-me só porque tenho medo de não ser amável.
Não quero impor algo aos outros, pelo medo de que possam impor algo a mim.
Por medo de errar não quero tornar-me inativo.
Não quero fugir de volta para o velho, o inaceitável, por medo de não me sentir seguro no novo.
Não quero fazer-me de importante porque tenho medo de que se não poderia ser ignorado.
Por convicção e amor quero fazer o que faço e deixar de fazer o que deixo de fazer.
Do medo quero arrancar o domínio e dá-lo ao amor.
E quero crer no reino que existe em mim."
Rudolf Steiner
Dr. Emir
quinta-feira, 8 de janeiro de 2009
narcisismo e subjetividade.
Releitura dos conceitos: narcisismo e subjetividade
Resumo
EU:
Para a psicanálise o ‘eu’ é um problema.
Isto é: ‘EU’=PROBLEMA!
É uma encrenca tão grande que depois de estudá-lo se acaba por desejar não tê-lo.
Pode ser a imagem refletida no olhar dos pais que amam seus filhos.
Mas pode ser equívoco, engano ou erro, tomar como certas e bem-vindas, as nossas vidas nas vidas que são vistas no olhar de alguém que (supostamente) nos ama.
O eu pode ser também a primeira forma de representar mentalmente a dispersão contínua do físico e do perceptivo: uma espécie de memória fixa, um esforço de integração.
Todo eu tem culpa, sem ela ‘ele’ não é ‘eu’.
Porém eu com muita culpa já é sinal de grande confusão; este estado tende ao narcisismo que, por sua vez, já é domínio do outro, ou seja: já é área de super-eu.
‘Eu’ que é ‘eu’, é ‘eu’ na medida. Isto é, é um ‘eu’ triste.
Será somente aí, nessa pequena área do entristecimento, nessa ínfima mesa de trabalho - não maior que o tamanho da luz que uma vela ilumina - que poderemos ter alguma chance de falarmos em nome próprio, e de desenvolvermos, assim, alguma subjetividade.
Narcisismo e subjetividade
Narcisismo é olho vazio, pedinte, pobre, sem referência. É reflexo, imagem, perdição ótica. Desespero que alguém me diga quem e o que sou. É repetição de modelo. É fixação do que não permanece, é mandato do outro, na falta de podermos e sermos capazes de esperar anos até sabermos quem somos.
Narcisismo pode vir a ser uma doença, isto é, o ‘eu’ doente de si mesmo. É aquele ‘eu’ cheio de si, cheio de hubris - até não poder mais, como Agamêmnon e Orestes - é um ‘eu’ obeso. O peso do exagero gera, por si só, narcisismo; e este último, por si só, desejo de morte. Aqui se misturam amor e morte, nas proporções mais morte que amor. No narcisismo só se usa amor para dar a liga na massa preparada pela morte. É o que Freud dizia: Eros liga tudo, mas não ajuíza sobre o que liga. Se o pé ficou na orelha, bem está ligado, não importa como.
Por outro lado, narcisismo nada mais é que uma reação de defesa contra o ódio do grupo, neste ponto Bion tem razão: o ‘eu’ vem do medo. Creio que Bion, ao afirmar isto, repete Klein e acho que Lacan repete os dois quando fala da paranóia, lugar onde situa o ‘je’ ou o ‘moi’ – instancias de equívoco e, sabe-se lá, qual é a pior das duas.
Como? Basta olharmos detidamente o grupo e ver o quanto este último odeia o indivíduo. Logo, mesmo que não viva sem ele, a forma que o indivíduo tem de se proteger desse evento, é formular uma área onde ele é o rei, é o deus pai e seu próprio filho perfeito.
O ‘eu’ pode também ser apenas uma forma de representar o corpo em sua dispersão contínua do físico e do perceptivo: uma espécie de memória fixa, livre daquilo que não suporto em mim.
Quando eu digo: “eu sou”! Não há Lacan que resista, já que alguém (ninguém) assim se insinua em sua enunciação, resista ao desejo de perguntar, então: “Che vuoi?”. Mesmo porque só pode ser a um 'eu' que assim se nomeia a quem se dirige essa interrogação que pode perguntar sobre o que o sujeito deseja de seu desejo e o que seu desejo deseja.
Na obra psicanalítica em geral o ‘eu’ é sempre o culpado, isso também é algo que se deve levar muito em conta, pois nem sempre o 'eu' está disposto a assumir a culpa, menos ainda assumir a responsabilidade que lhe resta ou que lhe sobra.
‘Eu’ sem culpa não é 'eu', e, 'eu' com muita culpa é 'super-eu'.
‘Eu’ que é ‘eu’, é tipo eu de poeta. A melancolia é um sentimento raro, se bem dosada, deveria ser mais abertamente cultivada.
Ficar anti-deprimido não é ficar alegre. Estão aí os psiquiatras que não me deixam mentir.
A alegria precisa da tristeza para ser alegria, senão só pode ser euforia ou excitação ou, ainda, anti-depressão.
Às vezes, chego a pensar que sem um ‘eu’ não haveria a culpa.
Apesar de que muitas outras vezes eu possa ver que a culpa é uma forma de matar ao ‘eu’.
Assim sendo, o ‘eu’ é, talvez, o primeiro sinal visível da primeira acusação, o primeiro responsável por um ato condenável: ‘eu’, causa de tudo.
Com isto encerro dizendo: o ‘eu’ é o primeiro a poder ser dito culpado. E acrescento repetindo: ‘eu’ é esse isso que chamamos de alguém; em sua culpa, acusado de ser a causa do mal do mundo. E é essa culpa que transforma esse ‘eu’ não em um homem, mas sim em mais um mártir. Um homem que não sabe nada de si, nem de sua (ligeira) transcendência. Ele não é, ou melhor, só é se sofrer e se for sacrificado. Donde o masoquismo e o gozo, onde a dor vale mais que o viver.
Dr. Tomazelli
Resumo
EU:
Para a psicanálise o ‘eu’ é um problema.
Isto é: ‘EU’=PROBLEMA!
É uma encrenca tão grande que depois de estudá-lo se acaba por desejar não tê-lo.
Pode ser a imagem refletida no olhar dos pais que amam seus filhos.
Mas pode ser equívoco, engano ou erro, tomar como certas e bem-vindas, as nossas vidas nas vidas que são vistas no olhar de alguém que (supostamente) nos ama.
O eu pode ser também a primeira forma de representar mentalmente a dispersão contínua do físico e do perceptivo: uma espécie de memória fixa, um esforço de integração.
Todo eu tem culpa, sem ela ‘ele’ não é ‘eu’.
Porém eu com muita culpa já é sinal de grande confusão; este estado tende ao narcisismo que, por sua vez, já é domínio do outro, ou seja: já é área de super-eu.
‘Eu’ que é ‘eu’, é ‘eu’ na medida. Isto é, é um ‘eu’ triste.
Será somente aí, nessa pequena área do entristecimento, nessa ínfima mesa de trabalho - não maior que o tamanho da luz que uma vela ilumina - que poderemos ter alguma chance de falarmos em nome próprio, e de desenvolvermos, assim, alguma subjetividade.
Narcisismo e subjetividade
Narcisismo é olho vazio, pedinte, pobre, sem referência. É reflexo, imagem, perdição ótica. Desespero que alguém me diga quem e o que sou. É repetição de modelo. É fixação do que não permanece, é mandato do outro, na falta de podermos e sermos capazes de esperar anos até sabermos quem somos.
Narcisismo pode vir a ser uma doença, isto é, o ‘eu’ doente de si mesmo. É aquele ‘eu’ cheio de si, cheio de hubris - até não poder mais, como Agamêmnon e Orestes - é um ‘eu’ obeso. O peso do exagero gera, por si só, narcisismo; e este último, por si só, desejo de morte. Aqui se misturam amor e morte, nas proporções mais morte que amor. No narcisismo só se usa amor para dar a liga na massa preparada pela morte. É o que Freud dizia: Eros liga tudo, mas não ajuíza sobre o que liga. Se o pé ficou na orelha, bem está ligado, não importa como.
Por outro lado, narcisismo nada mais é que uma reação de defesa contra o ódio do grupo, neste ponto Bion tem razão: o ‘eu’ vem do medo. Creio que Bion, ao afirmar isto, repete Klein e acho que Lacan repete os dois quando fala da paranóia, lugar onde situa o ‘je’ ou o ‘moi’ – instancias de equívoco e, sabe-se lá, qual é a pior das duas.
Como? Basta olharmos detidamente o grupo e ver o quanto este último odeia o indivíduo. Logo, mesmo que não viva sem ele, a forma que o indivíduo tem de se proteger desse evento, é formular uma área onde ele é o rei, é o deus pai e seu próprio filho perfeito.
O ‘eu’ pode também ser apenas uma forma de representar o corpo em sua dispersão contínua do físico e do perceptivo: uma espécie de memória fixa, livre daquilo que não suporto em mim.
Quando eu digo: “eu sou”! Não há Lacan que resista, já que alguém (ninguém) assim se insinua em sua enunciação, resista ao desejo de perguntar, então: “Che vuoi?”. Mesmo porque só pode ser a um 'eu' que assim se nomeia a quem se dirige essa interrogação que pode perguntar sobre o que o sujeito deseja de seu desejo e o que seu desejo deseja.
Na obra psicanalítica em geral o ‘eu’ é sempre o culpado, isso também é algo que se deve levar muito em conta, pois nem sempre o 'eu' está disposto a assumir a culpa, menos ainda assumir a responsabilidade que lhe resta ou que lhe sobra.
‘Eu’ sem culpa não é 'eu', e, 'eu' com muita culpa é 'super-eu'.
‘Eu’ que é ‘eu’, é tipo eu de poeta. A melancolia é um sentimento raro, se bem dosada, deveria ser mais abertamente cultivada.
Ficar anti-deprimido não é ficar alegre. Estão aí os psiquiatras que não me deixam mentir.
A alegria precisa da tristeza para ser alegria, senão só pode ser euforia ou excitação ou, ainda, anti-depressão.
Às vezes, chego a pensar que sem um ‘eu’ não haveria a culpa.
Apesar de que muitas outras vezes eu possa ver que a culpa é uma forma de matar ao ‘eu’.
Assim sendo, o ‘eu’ é, talvez, o primeiro sinal visível da primeira acusação, o primeiro responsável por um ato condenável: ‘eu’, causa de tudo.
Com isto encerro dizendo: o ‘eu’ é o primeiro a poder ser dito culpado. E acrescento repetindo: ‘eu’ é esse isso que chamamos de alguém; em sua culpa, acusado de ser a causa do mal do mundo. E é essa culpa que transforma esse ‘eu’ não em um homem, mas sim em mais um mártir. Um homem que não sabe nada de si, nem de sua (ligeira) transcendência. Ele não é, ou melhor, só é se sofrer e se for sacrificado. Donde o masoquismo e o gozo, onde a dor vale mais que o viver.
Dr. Tomazelli
quarta-feira, 7 de janeiro de 2009
Uma leitura pessoal do sexual em Freud .
Uma leitura pessoal do sexual em Freud
Resumo
O silêncio físico do corpo sem movimento esconde a inquietude frenética da mente que não pára de pulsar.
Sexual, assim, também, pode ser tomado como pulsação infinita, exigência sem limites. Prevalece uma lógica que pode ser chamada de “lógica do alívio”. Freud toma o modelo da ereção como o modelo da mente. Aliás, a idéia de trabalho é algo que combina bem com o problema do sexual em psicanálise. Genital não é sexual. Diga-se de passagem, o genital é o menor problema do sexual.
Sexualidade:
É certo que o sexual, em Freud, indica o efeito nocivo da imaginação.
Num certo sentido, todo o imaginado pode resultar em aflições não elaboráveis pela mente desperta. Daí o sono ser um estado propício para elaborar os restos do dia através do sonhar.
Freud raciocina as imaginações como sendo elementos vivos com poder para produzir machucaduras na mente que se esconde, que se esgueira para fantasiar coisas que não se conta. O silêncio físico do corpo sem movimento esconde a inquietude frenética da mente que não pára de pulsar.
Sexual, assim, também, pode ser tomado como pulsação infinita, exigência sem limites. Nem sei porque quero, mas quero de qualquer forma. Prevalece uma lógica que pode ser chamada de “lógica do alívio” o que não tem na da a ver com prazer, ou pelo menos não é da ordem do prazer diretamente. O primeiro movimento do psiquismo é livrar-se do acúmulo de tensão que qualquer estímulo - externo ou interno - gera nele. E isto também é elemento componente da sexualidade.
Freud toma o modelo da ereção como o modelo da mente. Divide-o em partes: a) a excitação, b) a exigência de trabalho, c) a ação, d) a descarga (ao modo de orgasmo), e) o alívio (redução quase a zero da exigência de trabalho). Esse modelo é aplicado à mente. Aliás, essa idéia de trabalho é algo que combina bem com o problema do sexual em psicanálise. A mente é o resultado de uma exigência de trabalho. Aumento de tensão e descarga, entre um e outro, nasce o ego do sujeito. Assim poderíamos ter: excitação -> narcisismo <- gozo. A coisa é simples. O duro é por a mão em tudo isso. Haja coragem!
Uma coisa é certa, o sexual não é o genital. Sexual é uma relação com o mundo e consigo próprio, genital é uma relação com o outro. Ou seja os órgãos não são o sexual. Diga-se de passagem, aliás, o órgão genital é o menor problema do sexual. O órgão leva sua vida - vamos dizer: a vida que pode - ele está delimitado ; o sexual não, na verdade este nem sabe para onde vai.
Uma vez que o sexual é tudo, então ele é pan. Pois bem, sendo pan o sexual, tudo ao seu redor é, assim, “pan-sexual”.
Dr. Tomazelli
Resumo
O silêncio físico do corpo sem movimento esconde a inquietude frenética da mente que não pára de pulsar.
Sexual, assim, também, pode ser tomado como pulsação infinita, exigência sem limites. Prevalece uma lógica que pode ser chamada de “lógica do alívio”. Freud toma o modelo da ereção como o modelo da mente. Aliás, a idéia de trabalho é algo que combina bem com o problema do sexual em psicanálise. Genital não é sexual. Diga-se de passagem, o genital é o menor problema do sexual.
Sexualidade:
É certo que o sexual, em Freud, indica o efeito nocivo da imaginação.
Num certo sentido, todo o imaginado pode resultar em aflições não elaboráveis pela mente desperta. Daí o sono ser um estado propício para elaborar os restos do dia através do sonhar.
Freud raciocina as imaginações como sendo elementos vivos com poder para produzir machucaduras na mente que se esconde, que se esgueira para fantasiar coisas que não se conta. O silêncio físico do corpo sem movimento esconde a inquietude frenética da mente que não pára de pulsar.
Sexual, assim, também, pode ser tomado como pulsação infinita, exigência sem limites. Nem sei porque quero, mas quero de qualquer forma. Prevalece uma lógica que pode ser chamada de “lógica do alívio” o que não tem na da a ver com prazer, ou pelo menos não é da ordem do prazer diretamente. O primeiro movimento do psiquismo é livrar-se do acúmulo de tensão que qualquer estímulo - externo ou interno - gera nele. E isto também é elemento componente da sexualidade.
Freud toma o modelo da ereção como o modelo da mente. Divide-o em partes: a) a excitação, b) a exigência de trabalho, c) a ação, d) a descarga (ao modo de orgasmo), e) o alívio (redução quase a zero da exigência de trabalho). Esse modelo é aplicado à mente. Aliás, essa idéia de trabalho é algo que combina bem com o problema do sexual em psicanálise. A mente é o resultado de uma exigência de trabalho. Aumento de tensão e descarga, entre um e outro, nasce o ego do sujeito. Assim poderíamos ter: excitação -> narcisismo <- gozo. A coisa é simples. O duro é por a mão em tudo isso. Haja coragem!
Uma coisa é certa, o sexual não é o genital. Sexual é uma relação com o mundo e consigo próprio, genital é uma relação com o outro. Ou seja os órgãos não são o sexual. Diga-se de passagem, aliás, o órgão genital é o menor problema do sexual. O órgão leva sua vida - vamos dizer: a vida que pode - ele está delimitado ; o sexual não, na verdade este nem sabe para onde vai.
Uma vez que o sexual é tudo, então ele é pan. Pois bem, sendo pan o sexual, tudo ao seu redor é, assim, “pan-sexual”.
Dr. Tomazelli
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