quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

trabalho e infelicidade!

"Mas vimos que o sujeito que sofre com sua relação para com o trabalho é frequentemente levado, nas condições atuais, a lutar contra a expressão pública de seu próprio sofrimento. Afetivamente, ele pode então assumir uma postura de indisponibilidade e de intolerância para com a emoção que nele provoca a percepção do sofrimento alheio. Assim, a intolerância afetiva para com a própria emoção reacional acaba levando o sujeito a abstrair-se do sofrimento alheio por uma atitude de indiferença - logo , de intolerância para com o que provoca seu sofrimento. Em outras palavras, a consciência do - ou a insensibilidade ao - sofrimento dos desempregados depende inetivalmente da relaçaõ do sujeito para com seu próprio sofrimento. Eis por que a análise da tolerância ao sofrimento do desempregado e à injustiça por ele sofrida passa pela elucidação do sofrimento no trabalho. Ou, dito de outra maneira, a impossibilidade de exprimir e elaborar o sofrimento no trabalho constitui importante obstáculo ao reconhecimento do sofrimento dos que estão sem emprego."

Dejours, C. A banalização da injustiça social. p. 46, grifos do autor.



Dr. Emir

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Meio estudantil, massa de acossamento e opinião pública emitida na clandestinidade

“Uma razão importante para o rápido crescimento da massa de acossamento é a ausência de perigo na empreitada. Esta não oferece perigo nenhum, pois a superioridade da massa é enorme. A vítima nada lhe pode fazer. (...) O assassinato permitido substitui todos aqueles aos quais se tem de renunciar, aqueles que, uma vez cometidos, ter-se-ia de temer a imputação de pesadas penas. Um tal assassinato – permitido, recomendado, sem perigo algum e partilhado com muitos outros – afigura-se irresistível à grande maioria da humanidade”. (Elias Canetti)


Dr. Emir

sábado, 24 de outubro de 2009

Construção do heterônimo - clínica

Em meus seminários clínicos tenho uma preocupação especifica com a re-humanização do analista e com des-racionalização da psicanálise e do raciocínio psicanalítico, convidando meus alunos/aprendizes para um tipo de pensar mais ‘despretensioso’, que, no entanto, me parece mais potente para o tipo de trabalho que desenvolvemos no interior das sessões.
Não há uma linha que me oriente propriamente, na verdade é um convite ao livre pensar e à liberdade de agir sem exceder os limites de um trabalho. Além disto, é um incentivo à formação de um tipo de atitude, que me parece dar uma consistência melhor ao ‘ato analítico’, de tal forma que ele ganhe em potência e precisão, com redução vantajosa da paranoização que a “neutralidade” introduz no setting.
Se eu formo, ou melhor, se eu ajudo a dar forma ao psicanalista que há em cada um, é porque acredito ser necessário exercitar-se para “sermos nós mesmos” que resulta em excelência e desenvolvimento de um estilo pessoal, e não em um aprendizado burocrático de uma tarefa. Parece-me importantíssimo que o psicanalista não seja feito pela via da pantomima teatral, auto-construindo uma máscara psicanalítica. Parece-me central, isto sim, que na verdade ele descubra em si um heterônimo. Isto é: o psicanalista aprendiz deve procurar desenvolver um heterônimo. Deve ser capaz de desenvolver um outro eu que seja ele-mesmo, para além de si ainda sendo ele. E isto, tenho certeza, não se faz por esforço, mas sim por entrega.
Emir Tomazelli

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Conversa entre Bion e Klein

"Durante uma sessão de análise, Bion indaga à sua analista Melanie Klein “o que vem a ser Psicanálise?” e se surpreende com a seguinte resposta “é uma pré-concepção à procura de quem a realize”. (PSICANÁLISE: BION - Da Clínica às Teorias Possíveis - São Paulo, 03 abril de 2009; Antonio Sapienza.)


Dr. Emir

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Clínica

A saturação das informações sobre a vida do cliente devoram de algum modo a possibilidade de o analista fantasiar sobre o espaço vazio de investigação.
Deveríamos, debruçados sobre um parapeito onírico, observarmos os lapsos de nossa construção racional sobre o sujeito que nos fala. E darmos a ela um formato de objeto de curiosidade mais que de esclarecimento.
Formular 'a' questão é o ponto mais alto da interpretação do analista, tanto quanto é a sua sensação de que não deveria falar o que está pronto e prestes a dizer...
A história narrada, se não remete ao sonho, não poderá ser ouvida como sendo regida por um inconsciente capaz de imaginação. Isto é: antes do bebê ter inconsciente, é necessário que ele (o inconsciente) exista em algum lugar, por exemplo na mente da mãe. Neste sentido a mãe é o primeiro lugar onde a repressão ocorre, e com ela a cisão do aparelho do bebê pode acontecer.
Isto quer dizer que a consciência primitiva é una, sem divisão. Ou, dito de outra forma, o estado em que está a consciência primitiva é pura lucidez, tanto quanto é ausência de significação e de subjetivação. 'Funes o Memorioso', do Borges. Paul Auster fala que Proust não é um exemplo de memória: quem não esquece de nada, de nada pode se lembrar !!
Os dados, da vida de um homem, no ouvido do psicanalista, se forem enumerações que tendem ao infinito, destruirão o significado dos números porque estes não servirão mais ao seu propósito precípuo, a saber, de serem vínculos entre indivíduos!


Dr. Emir

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Contemporaniedade

O ódio é o medo em ação!


Dr. Emir

domingo, 20 de setembro de 2009

Pulsão de morte

Não há infância ao lado da morte.

Dr. Emir

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Sobrevier

"Vivemos cercados por grades de seguranças e câmeras que vigiam; temos medo de assaltos, medo da crise, medo do terrorismo e da doença. Para sobreviver temos que fugir de nós mesmos. Afastamos todos os dias o pânico de nos sabermos mortais. Mas será que temos mais medo hoje do que tínhamos no passado? Ou será que o homem sempre foi esse animal atormentado?"
Luiz Felipe Pondé



Dr. Emir

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

reação terapêutica negativa

Reação terapêutica negativa: uma rejeição original à possibilidade de cura pela palavra, uma proibição contra a transformação do psicanalista em medicamento.
1 – Para clientes “sem esperança” indicam-se analistas antidepressivos!
2 – Para clientes delirantes recomendam-se psicanalistas neurolépticos!
3 – Para clientes cínicos indicam-se analistas verdadeiros!(Nesses três casos o inverso, ou seja, quando a patologia incide sobre o psicanalista, fica sendo válido o papel de cura que o cliente deve desenvolver para poder curar-se uma vez que seria capaz de curar o próprio analista para que este possa curá-lo).
4 – reação terapêutica negativa é uma reação da ordem do fracasso da neurose. É triunfo do masoquismo e, portanto da perversão! É um ato, um atentado contra o desenvolvimento da esperança em análise. É uma impregnação narcotizante que interrompe o processo de reação natural de cuidados que se encontra disponível no repertório humano do analista, fazendo com que todas as reações deste último pareçam controladas pelo psiquismo do cliente no sentido de dissuadi-lo do trabalho.
5 – Aqui temos mais uma vez a presença de um estado hipnóide no analista induzido pela depressão grave presente na mente do cliente. Isto é transferido para a mente inconsciente do analista. Um “eu me odeio” primário, transforma-se em desinteresse do outro sobre o valor do amor que ele pode me dedicar; em uma palavra o analista é induzido à desistência. Há uma desvitalização da força psicoterápica original, natural de cada um de nós humanos.
6 – Esse estado no qual o analista entra, quero chamar de estado hipnóide, e envolve uma desistência da ação que surge espontânea no gesto do analista e uma descrença na psicanálise. É aqui onde se dá a primeira morte do analista.
7 – A essa morte, segunda morte, acrescenta-se uma outra que é proposta pela instituição psicanalítica quando fala da neutralidade do analista proibindo assim o gesto espontâneo como modo de condução da cura.
8 – A essas duas mortes soma-se ainda uma outra, a última, e aquela que configura radicalmente que o que está em questão não é mais da ordem do masoquismo, do suicido branco ou da neutralização da possibilidade de cura por sentimento de culpa inconsciente; o que está em questão é, verdadeiramente, o assassinato do analista, e não mais o investimento auto-erótico da destrutividade! Agora temos, dirigido para o analista, uma explosão projetiva que destila violência pura, causando impregnação por excesso de uso de substância neuroléptica, e à conseqüente narcotização ou sedação do analista, seguida de estupro e morte.
9 – Caso A:
- a cliente chega até mim por indicação de um amigo aviador que conhece um médico com quem ela trabalha em um serviço de saúde para atletas. Formada em enfermagem, e com um intenso desejo de ser psicanalista mais que psicanalisada, desenvolve-se em seu trabalho, mas de modo que reputa insatisfatório, tanto do ponto de vista dos cargos que ocupa quanto do ponto de vista econômico, isto é, do salário. Vem de uma família numerosa e confusa, mãe “útil mas desconfortável - bastante deprimida!” (sic), com um pai bastante complicado do ponto de vista da personalidade; isto é: pessoa impulsiva e lasciva, que a cliente sempre relatou com certo tom de asco e certa tensão erótica; era um alcoólatra e não reconhecia bem o lugar que a filiação tinha em sua vida de pai de família. O sentimento de nojo e de erotismo me foi relatado uma vez da seguinte forma: “Ele me chamava para me abraçar e eu tremia por dentro porque sabia que ele ia me tocar. Meu Deus, que horror!” Tinha um irmão, também alcoólatra, e um marido “um pouco mau-caráter”, digamos assim: um espertalhão, perdedor de dinheiro (!?) e explorador das mulheres com quem convivia. Na verdade um fracassado. Tinha também uma filha desse mesmo homem, com quem conviveu de modo oscilante ao longo do tempo. A menina viveu um bom tempo com a avó materna.Infelizmente, todas as sessões estiveram povoadas por um intenso sentimento de fracasso e de inveja, crônico, eu diria, por um período de cinco ou seis anos. Como a melhora nunca vinha, e o dinheiro cada vez minguasse mais, a energia gasta pra tocar o tratamento foi se esvaindo, até que um dia tudo acabasse escorrendo das mãos tanto minha quanto dela. Deve-me dinheiro até hoje... - Sei lá se me deve! Modo de dizer. Até tentou me pagar com um terreno que tinha, mas não deu certo. Interrompeu sua análise aparentemente do mesmo modo que entrou. Insatisfeita, insaciável. Nunca encontrou quem pudesse a ela acolher emocionalmente, e nunca esteve disponível para algo além de sexo, com os homens com quem se encontrou durante o tempo em que esteve comigo. Não era boa mãe, mas se dizia “boa de cama”!Nunca pude compreender bem o que poderia isso querer dizer!
Pois como cliente e participante de um processo que envolvia uma parceria, ela se mostrava muito, muito fechada.
Referências bibliográficas:1) Masoquismo mortífero e masoquismo guardião da vida, Benno Rosemberg, tradução do francês de Célia Gambini. São Paulo: Escuta, 2003.2) Reação terapêutica negativa: a análise impossível.Joan Rivière: Un contribucion al análisis de la reacción terapeutica negativa (1949)3) Corpo e conhecimento: uma visão psicanalítica, Emir Tomazelli, São Paulo, Casa do Psicólogo, 1998.4) Psicanálise: uma lectura trágica do conhecimento, Emir Tomazelli, São Paulo, Edições Rosari, 2003.
Dr. Emir

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Clínica

Há dias que me sinto na obrigação de refletir e considerar que nossas chances de sanidade são enormes. Temos que aceitar os novos desafios afetivos e sofrê-los. Pelo que observamos na clínica, quando um cliente se desenvolve e cresce, ele acaba por reconhecer que, na vida mental, sempre é, e sempre há, tempo para mudar. Mesmo que seja um instante antes de se lançar no abismo da insanidade, há ainda oportunidade para enfrentar nossa própria psicose.
Penso que alguém pode querer pensar:
“Se eu matar a todos os que eu temo, sem jamais amá-los, respeitá-los e desejá-los, vou cair no esquecimento e desaparecer num mundo sem uma memória, sem um passado que possa referir-se a mim.”
Se, neste instante, alguém puder pressentir o profundo isolamento, e solidão, creio que esse alguém possa ter coragem e pensar que vale a pena se arriscar e fazer um vínculo afetivo com alguém.
Se arriscar a conhecer o mundo simbólico, mesmo sabendo que tenha que aceitar também o risco de ser portador dessa engenhoca que chamamos psiquismo, e mesmo que isto signifique o preço de sentir tristeza e dor por amarmos alguém, mesmo assim, ainda assim, mesmo que isso aconteça... seria bom que alguém pudesse dizer: vale a pena se entregar, vale a pena pertencer à teia de interdependências da vida emocional, e considerar razoável e muitas vezes boa, a insuportável relação conosco mesmo e com o outro, e lutarmos, decididos, para que isso seja sempre superado do melhor modo possível, e que possa ser expresso como um estado de viver-se em busca de self suficientemente bom. E por que não?

Dr. Emir

sábado, 22 de agosto de 2009

Identificação projetiva

a)Se a tragédia é a repetição do acaso (Garcia-Roza)[1], em Klein, essa afirmativa, sofre uma torção minimamente curiosa, porque o trágico estará antes da repetição do acaso, isto é: no futuro. Klein introduz um movimento defensivo novo, e que se refere às tentativas psíquicas de gritar com a mente, antes de sabermos fazê-lo com a boca. Na obra kleiniana se percebe que o grito, antes, está na mente e, dessa mesma mente é lançado para outra mente que está no futuro. A torção temporal indica que o grito é lançado no fluxo do tempo que há de vir. Percebe-se também que, esse grito já dado, demora mais do que se pode suportar, para chegar a um corpo capaz de agir e dar sentido e direção para o problema que se coloca. Então o recurso ao grito é feito apenas pelo uso de um tipo específico de transferência psíquica, a transferência psíquica de minha paixão em grito. Teletransporte de dor sem nome: projeção psíquica de grito. Grito projetado no futuro da mente da mãe.
a1)Forço-me para dentro do outro para que ele dê conta de meu desespero, vindo me atender antes que eu possa formular por mim mesmo o meu pedido. Formulo meu pedido dentro do mundo interno do objeto e ele reage sem saber por que, fazendo em mim aquilo que eu não pude sequer pensar. É a isto que Klein chamou de ‘identificação projetiva’.
a2)Paixão narcísica veiculada pela força da projeção que promove uma transfusão de angústia sem nome para outra mente que se encontra no futuro. Projeção que chega a remeter o grito - e o próprio eu que grita (com seu grito) - para o futuro, dentro da mente da mãe, antes que ele aconteça, antes que ele possa ser pensado em mim e em mim executado.
a3)De algum modo o que Klein está tentando propor é a idéia de que eu possa fazer uma repetição vir do futuro[1] onde ainda ela não aconteceu, usando a projeção da mesma na mente do objeto, obrigando o objeto a cumprir o seu destino trágico já designado pelo bebê-profeta, que na profecia anteviu o desastre, e o arremeteu para o futuro, que agora se atualiza nos gestos do objeto no presente.
a4)A tragédia agora está inoculada na musculatura do objeto tomando-o, possuindo-o e fazendo-o agir precisamente da forma que deveria ser evitada. Não há sadomasoquismo mais perfeito. Uma espécie de didática perversa, que ‘ensina’ ao objeto - em sua dimensão outra, em seu tempo que também é outro - como agir, de forma tal que confirme, que o eu que realizou a ‘identificação projetiva’ receba de volta, cruelmente, tudo que se empurrou para dentro dele no futuro.
a5)É lançando mão do recurso da projeção de minha própria identidade no futuro, e lançando com ela meu grito nas ações futuras do objeto, que empurro ao meu mim incompreensível para o interior da mente desse objeto que me espreita e me atende. Assim fazendo, posso trazer do futuro um evento traumático, que vinha em minha direção partindo do meu passado.
[1] GARCIA-ROZA, Luiz Alfredo. – Acaso e repetição em psicanálise: uma introdução à teoria das pulsões, Rio de Janeiro, Jorge Zahar editores, 1986.


Dr. Emir

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Di Loreto


Caros colegas,
Para mim é experiência de dor sem palavras, a ida (infelizmente) já esperada há tempos, do Di Loreto.
Não há gesto que possa expressar minha gratidão ao grande Di, nem a minha tristeza por perdê-lo.
Foi meu mestre, meu (des)orientador, foi meu ideal de ser. Foi, para mim, uma espécie de meu Winnicott. Lembro-me daquele jeitão esparramado, meio caipirão... Seus olhinhos miúdos brilhavam quando dava longas tragadas no seu Hilton king size, antes de responder nossas perguntas de jovens psicólogos, nos meados dos anos 70.
Inesquecíveis as noites infinitas das sextas-feiras, depois da reunião na comunidade - com todos que queriam estar por perto -, íamos ao Camelo, na Pamplona, beber chopps e esperar pelo caldinho da feijoada do sábado que, lá pela uma da madrugada, já ia saindo do fogão. Nossa que saudade! Que alegria nos envolvia. Ele nos brindava com sua inteligência e poesia, e nós lhe devolvíamos com nossa juventude e com enorme gratidão.
Minha clinica passa por ele, assim como todo meu aprendizado para ser uma pessoa, também passa.
Me ensinou Spitz, Klein, Freud, Aberastury, Bleger, Maxwell Jones, mas acima de tudo me fez compreender a importância e o perigo do contato com a verdade.
Me convidou ao vínculo afetuoso com ele, e com a teoria com a que ele pensava seus casos (os causos). Ao longo dos anos me foi sugerindo, em sua paciência, que o carinho com os clientes, por vezes, pode curá-los em silêncio.
Em fim... terei saudade! Terei tristeza pela sua ausência.
De qualquer modo e seja como for: queria deixar minha gratidão pública a esse grande professor, e ao homem que foi capaz de lutar apaixonadamente por seus sonhos e por sua coletividade.
Que ao partir ele possa levar de mim o enorme carinho que tenho por ele!
Forte abraço Di!
Forte abraço!
Emir

sábado, 15 de agosto de 2009

Paul Auster

“É também verdade que essa recordação às vezes vem até ele como uma voz. É uma voz que fala dentro dele e não é necessariamente a sua voz. Ela fala para ele do mesmo modo que uma voz conta histórias para uma criança, e, no entanto às vezes essa voz zomba dele, ou chama sua atenção, ou o xinga com expressões nem um pouco dúbias. Às vezes ela distorce de propósito a história que está contando, altera fatos para os adaptar a seus caprichos, zelando mais pelo interesse do drama do que pelos interesses da verdade. Então ele tem que falar com ela com sua própria voz e mandar que pare, e assim a faz voltar ao silêncio de onde veio. Em outras ocasiões, ela canta para ele. E em outras ocasiões ainda ela sussurra. E também há ocasiões em que ela se limita a gemer, ou balbuciar, ou chorar de dor. E mesmo quando não diz nada, ele sabe que ainda está ali e, no silêncio dessa voz que nada diz, ele espera que ela fale.” (Auster, p. 139, 40. 1999)[1]
[1] Auster, Paul A invenção da solidão. Tradução Rubens Figueiredo. São Paulo, Companhia das Letras, 1999.


Dr. Emir

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

2009 Brasil e a tagédia do poder!

General Mourão em 1970
"Ponha-se na presidência qualquer medíocre, louco ou semi-analfabeto e vinte e quatro horas depois a horda de aduladores estará à sua volta, brandindo o elogio como arma, convencendo-o de que é um gênio político e um grande homem, e de que tudo o que faz está certo. Em pouco tempo transforma-se um ignorante em um sábio, um louco em um gênio equilibrado, um primário em um estadista. E um homem nessa posição, empunhando as rédeas de um poder praticamente sem limites, embriagado pela bajulação, transforma-se num monstro perigoso".
(Olympio Mourão Filho. Memórias: a verdade de um revolucionário. Porto Alegre, L&PM, 1978, pág. 16.)


Dr.Emir

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Contradição trágica.

Triste contradição essa!
Sem sombra de dúvida, a incessante e sem finalidade manutenção do nada, é o objetivo da vida.


Dr. Emir

sábado, 1 de agosto de 2009

Identificação projetiva. III hipótese.

Um ‘eu narcísico’ que se desloca no interior do fluxo inconsciente para dentro do objeto via identificação projetiva, propicia a si mesmo uma outra vida, mas essa vida nova só se dá pelo roubo do lugar interno do outro.
Um ‘eu’ enfia-se dentro do outro, para hospedar-se lá e para livrar-se de si, introduzindo-se pelo furo psíquico (por onde circulam livremente as coisas psíquicas nas esteiras da telepatia e do hipnotismo) na intimidade do objeto que foi escolhido para hospedar ao eu, que o próprio eu não quer em si. É assim que, todos os dias, um novo eu habita o eu de algum objeto.


Dr. Emir

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Modos de ver klein

A obra kleiniana está toda inspirada na perspicaz insanidade frencziana e lastreada pela complexidade da obra freudiana. O que lhe confere a imagem da Torre de Piza, que só não desaba direto no solo porque seu centro de gravidade não cai fora do polígono da base.
Mas, fugindo da imgética fascinante da metáfora, irresistível á visão, é a teoria do superego o que mais encanta Klein ao se interessar pelo estudo do homem psicanalítico. É este “homo psicanalíticus” que a intriga. É esse homo feito do outro - feito de heteros - o que a perturba. É por isso que é do superego que se pode afirmar que “existe alguém dentro de nós; e fala!” Esta sentença, creio, é para ela o must da obra! O ‘homo psicanalíticus’ está inspirado nesse outro que chega para nos salvar e nos oferece seu rosto para ser nossa face aos nossos olhos, e palavra de sua boca para nossos lábios; roubando de nós a identidade e a enunciação de nossa dor.

Dr. Emir

Músculos.

Em uma palavra, os músculos, em sua tensão pressentem, mesmo enquanto inertes, o crime que vão cometer quando agirem.


Dr. Emir

terça-feira, 28 de julho de 2009

Alucinassohos!

Há um fundo de imagens que interferem na relação do homem com o mundo, é um fundo de cenas, um fundo de sonhos que ainda não estão domados o suficiente para serem sonhos; já não são mais coisas em si, mas ainda são “coisas” que estão a procura de algum sonho para serem sonhadas. São, na verdade, alucinações (‘alucinassonhos’); são memórias ‘onirógenas’, arquétipos de sonhos, ‘mitossonhos’ coletivos, associados a fragmentos transgeracionais. São imagens que se impõem sobre a realidade – talvez por isso devessem ser phantasias escritas com ph. ‘Alucinassonhos’ que invadem os músculos, num momento em que eles estão tomados com as tarefas mecânicas e obrigatórias do instinto de autoconservação.

Dr. Emir

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Antes do psíquico.

Klein está muito antes do psíquico, e, o ‘eu’ em que ela se apóia para dizer onde está o início da vida psíquica, é um ‘eu’ onde não haverá convite possível a lhe ser feito, de forma que ele se achegue aos tradutores oferecidos pelo simbolismo, que a raça construiu ao longo do tempos pelos que vem atravessando. Não haverá nada que possa convencer o sujeito a sair da posição de autoconservação, da posição de ser um corpo que somente sabe manter-se vivo.
De um modo ou de outro é um ‘eu’ que jamais poderá encontrar uma brecha na cultura ou vir a ser de ‘companhia’ por desejar se servir e servir a alteridade com a que está “envolvido”. Ao fechar-se, para evitar lidar com os estados de encantamento/desilusão, o homem kleiniano, animal sem face, destrói não só a percepção, mas o vínculo com o seu grupo e com sua origem. Creio que este tipo de defesa psíquica, que consiste em dissolver o psíquico na autoconservação, talvez possa dar a dimensão mais clara do que se evita, quando se evita a dor que é ter algo que se chama ‘o psíquico’.





Dr. Emir

Antes do psíquico.

Klein está muito antes do psíquico, e, o ‘eu’ em que ela se apóia para dizer onde está o início da vida psíquica, é um ‘eu’ onde não haverá convite possível a lhe ser feito, de forma que ele se achegue aos tradutores oferecidos pelo simbolismo, que a raça construiu ao longo do tempos pelos que vem atravessando. Não haverá nada que possa convencer o sujeito a sair da posição de autoconservação, da posição de ser um corpo que somente sabe manter-se vivo.
De um modo ou de outro é um ‘eu’ que jamais poderá encontrar uma brecha na cultura ou vir a ser de ‘companhia’ por desejar se servir e servir a alteridade com a que está “envolvido”. Ao fechar-se, para evitar lidar com os estados de encantamento/desilusão, o homem kleiniano, animal sem face, destrói não só a percepção, mas o vínculo com o seu grupo e com sua origem. Creio que este tipo de defesa psíquica, que consiste em dissolver o psíquico na autoconservação, talvez possa dar a dimensão mais clara do que se evita, quando se evita a dor que é ter algo que se chama ‘o psíquico’.


Dr. Emir

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Autoconservação e estética.

A beleza do mundo ao redor, o refinamento necessário para atingi-la e compreendê-la. Muito trabalho psíquico. Muita ladeira.
Por isso a estese, e consequentemente a estética, é esse ferimento primário do outro em nós. Isto é: a própria noção de percepto e estímulo obrigam que a metáfora ofereça vínculos com sensações de ferimento. Isto é, o percepto é aquilo com que o objeto nos atinge e nos acossa, e que, se tirarmos a emoção envolvida no evento, este acossamento que fere se chama estímulo. No caso da psicanálise poderíamos chamar de trauma, pois a percepção do outro é dor que prenuncia a chegada de uma dor maior ainda. Dor que antecede ao ser, e se apresenta como ‘músculos-em-ação’, uma vez que ‘músculos-em-ação’ é o mesmo que viver angústia e medo sem pensar.
Ou seja, se de fato, é o “narcisismo instintivo” aquilo que nos coloca em confronto com o outro, de encontro ao outro, é porque este narcisismo evolve da autoconservação, e esta é instintiva. Instintivo quer dizer “resposta de gatilho”, algo sem controle, automático e sem a contribuição do pensamento. Creio que, para quem tem uma cidadela a preservar, este alguém, se de fato a possui, deve automaticamente reagir a favor de si por compreender que qualquer presença que não seja para privilegiar a sua é, antes de tudo, uma incontrolável impressão de invasão, que deve ser seguida de captura e morte. Assim o ‘narcisismo instintivo’ é esse amor a sí que precede e inaugura qualquer encontro, e que não passa pela presença do outro, mesmo que este outro, no caso de um bebê, possa ser “somente” a mãe.
Dr. Emir

quinta-feira, 16 de julho de 2009

O trauma.

Talvez fosse por não pensar na dor como fratura direta, que Freud precisasse do ‘segundo golpe’ - o après-coup – para compreender a força do patológico. Klein dispensou os fatos, em Klein o traumático tinha (e tem) um só tempo. O próprio psíquico já é da ordem do trauma, o desastre primevo não necessitava de reativação, a infância brutalizada pelo fantasma, fazia do ser dito humano um animal sem nome, circunscrito as barras da jaula, e vivendo às expensas da autopreservação do ‘si-soma’, sem ter fantasia e palavra vindas de lábios e línguas que pudessem lambê-lo, recordando-lhe sua essência humana e amiga.



Dr. Emir

Aspectos psicóticos.

Os aspectos psicóticos dos problemas cognitivos, derivados de estados mentais de excessiva desconfiança, desconfiança esta decorrente da contínua confusão entre os mundos ‘externinterno’ que se misturam, aumentam as respostas primitivas de medo, e o contato simbólico, ainda incipiente, com o mundo das fantasias desloca o psíquico do bebê para um terreno onde o pequeno humano se torna um refém das pulsões de autoconservação, por não saber o que fazer com o fantasma. Só quer se livrar dele e não sabe a quem endereçá-lo.

Dr. Emir

terça-feira, 14 de julho de 2009

O vínculo e a alma!

- Uma vez evitado o vínculo, o elo, o anel que nos enlaça ao outro, qualquer contato com a ética fica impossibilitado. Se, por ventura, estamos ligados ao legislador ele mesmo, já não temos como saber do outro sem julgá-lo. Algo que poderíamos chamar de vergonha de si, de autocrítica não se estabelece, e, assim fica desumana aquilo que poderíamos chamar de ‘a alma humana’.



Dr. Emir

sábado, 11 de julho de 2009

O ‘humanimal’ na clínica.

O ‘humanimal’ na clínica:
A clínica kleiniana se dedicaria a ver nas doenças mentais os aspectos mais rústicos, onde ainda o aparelho do animal luta contra o aparelho ‘humanimal’. Deteve-se em locais mais simples, e se dedicou à descrição das ‘coisas’ que precedem as doenças do simbólico que atingem as neuroses, e que acabaram por representar, no desenho da mente, as articulações mais propriamente características de um campo que veio a ser chamado, depois de Lacan, de freudiano. Esses espaços muito primitivos, que ela reabriu na teoria, são atravessados pelo animal-homem, atravessados pelo lobisomem, pelo vampiro, pelos atos traiçoeiros derivados da deformação da impressão de realidade, geraram, no interior da psicanálise, uma clínica de ‘adestramento’, que talvez pudesse levar o sujeito à neurose, e que envolvia a transformação do ser ‘humanimal’, em um animal passível de sintoma, isto é, passível de ser atingido pelo simbólico, pela tristeza e pela palavra fantasmagórica da alteridade: um 'ANIMOT'*.


* Derrida, Jacques O animal deu logo sou (A seguir). Tradução Fabio Landa. – São Paulo: Editora Unesp, 2002.

Dr. Emir

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Pai/Kierkegaard

"[...] aqui se constata que só quem trabalha ganha seu pão, só quem esteve em aflição encontra repouso, só quem puxa a faca consegue ter Isaac de volta [...]. Aquele que não trabalha deve ter em mente o que está escrito sobre as virgens de Israel, pois ele dá à luz o vento, mas quem está disposto a trabalhar dá à luz o próprio pai."
Kierkegaard
(citação que consta do livro de Paul Auster: "A Invenção da Solidão")



Dr. Emir

quinta-feira, 9 de julho de 2009

sobre a curiosidade.

Porém, virgem ou não
- na verdade ninguém é virgem -
o sistema tem que estar preparado para reconhecer que curiosidade envolve: ‘procurando por encrenca’. Isto é: vínculo. E vínculo - dentro da lógica freudiana que Klein adota - é coito, e coito envolve associação, que envolve, na diversidade, ser de companhia. Que, por sua vez, envolve ser só e ser em falta, que envolve luto, e que para alguns bebês é dor sem limite, cruel e triunfante. Daí, alguns desses pequenos seres, muito cedo, se disporem a ficar psicóticos, e pôr fim no que nos faz possíveis. Triste fim, pior ainda a escolha da meta e o meio.
Dr. Emir

Conhecer.

- Conhecer envolve ter nascido, e suportar a lógica geométrica do triângulo, tanto quanto envolve ser capaz de sentir-se sendo deus ou tendo deus em si, que no início é o mesmo que ser louco ou é o mesmo que desenvolver um superego psicótico.

Dr. Emir

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Uma hipótese de um início.

A vida está em escombros que são perpetuamente reconstruídos e voltam a se espatifar. Uma catástrofe em movimento. São escombros em trabalho, e, para nós, esses mesmos escombros, lembram uma paisagem, que é nosso lar, nossa casa, o lugar que nos hospeda, onde a poeira - fruto da colisão - recobre mais que revela o que existe; e a vida transcorre como se uma névoa proibisse a luz, e isto dificultasse a nossa visão clara do que está acontecendo. Por isso tememos mais o que projetamos, do que aquilo que, de fato, podemos “ver”.




Dr. Emir

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Dimensão dos sentimentos

A inveja é unidimensional.
O ciume é bidimensional.
O amor é tridimensional.
Dr. Emir

Bion: a detenção do desenvolvimento.

“Tais objetos, sejam internos ou externos, são na verdade objetos parciais, sendo predominantemente, embora não exclusivamente, aquilo que denominaríamos de funções e não de estruturas morfológicas. Este fato não é percebido em razão de o pensar do paciente (ou do bebê) ser regido por objetos concretos, tendendo, assim, a produzir, na mente sofisticada do analista, a impressão de que a preocupação do paciente é com a natureza do objeto concreto. A natureza das funções que excitam a curiosidade do paciente é investigada por este último através da identificação projetiva. Os seus sentimentos, vigorosos demais para serem contidos no interior de sua personalidade, estão entre essas funções. A identificação projetiva lhe possibilita investigar seus próprios sentimentos dentro de uma personalidade vigorosa o bastante para contê-los. A negativa ao uso deste mecanismo, seja pela recusa da mãe (ou analista) em servir como receptáculo dos sentimentos do bebê, ou pelo ódio e inveja do paciente que não pode permitir que a mãe exerça essa função, leva a destruição do elo de ligação entre o bebê e o seio e consequentemente, a uma grave desordem do impulso de ser curioso, de que depende toda a aprendizagem. Está preparado, assim, o caminho para uma grave parada do desenvolvimento. Além disso, graça à recusa ao principal método de que dispõe o bebê para lidar com emoções por demais vigorosas, a conduta da vida emocional, de qualquer forma um sério problema, torna-se intolerável. Em decorrência disto, os sentimento de ódio voltam-se contra todas as emoções, inclusive o próprio ódio, e contra a realidade externa que os estimula. É um pequeno passo, do ódio ás emoções até o ódio à própria vida... este ódio redunda no recurso á identificação projetiva de todo o aparelho psíquico, inclusive do pensamento embrionário, que forma o elo de ligação entre as impressões sensoriais e a consciência. A tendência à excessiva identificação projetiva, quando predominam os instintos de morte, é, assim, reforçada. (p. 98, Bion, W. R, 1988)[1]
...
O distúrbio do impulso à curiosidade, de que depende toda a aprendizagem, e a recusa ao mecanismo pelo qual este impulso busca expressão, torna impossível o desenvolvimento normal. Uma outra característica se impõe se o andamento da análise for favorável, os problemas que em linguagem sofisticada são postos em perguntas ‘por quê?’ não poderão ser formulados. O paciente parece não ter apreço pela causação e queixar-se de estados de espírito dolorosos, ao mesmo tempo em que persiste numa série de atos destinados a gerá-los. Portanto, quando surgir material apropriado, deve-se mostrar ao paciente que ele não tem interesse no porquê de se sentir assim. A elucidação do escopo limitado de sua capacidade resulta no desenvolvimento de uma maior amplitude e uma incipiente preocupação com causas. Isto redunda em certa modificação de conduta, que, por outro lado, prolonga a aflição.” (idem, p. 99)
[1]Bion, W. R. ,(1897) Estudos psicanalíticos revisados. Tradução de Wellington Marcos de Melo Dantas. RJ:Imago Ed., 1988.

Dr. Emir

sábado, 4 de julho de 2009

Mãe e filho.

Imaginem as dimensões emocionais de um complexo de Édipo vivido e experimentado com os recursos de um bebê de três meses de idade! Imaginem ainda esse bebê tendo que lançar mão, dentro da mente da mãe imatura, dos recursos de que ela dispõe, para nela se proteger do fato de não ter como pensar o que se passa com ele toda vez que ela chega!
Dr. Emir

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Nietzsche - mulheres

"Máscaras. - Há mulheres que, por mais que as pesquisemos, não têm interior, são puras máscaras. É digno de pena o homem que se envolve com estes seres quase espectrais, inevitavelmente insatisfatórios, mas precisamente eles são capazes de despertar da maneira mais intensa o desejo do homem: ele procura a sua alma - e continua procurando para sempre."


Alguns dos aforismos de "Humano, Demasiado Humano", de Friedrich Nietzsche, tradução de Paulo César de Souza, recém editado pela editora Companhia das Letras.

Dr. Emir

Inveja: hipótese II.

Klein, desde cedo, observa que há um impulso para destruir o sistema cognitivo, o sistema que vincula tudo emocionalmente, e chama a este evento de inveja. É defesa desesperada, é a chance que a mente pressente para ficar psicótica, e assim, protegida do significado e da importância do mundo.
Dr. Emir

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Alcoolismo e idealcoolismo.

Este texto foi escrito por um amigo que estuda há muitos anos o alcoolismo. A idéia é muito interessante e atraente. Ele sugere também que façamos uma mundança de nome para deixar mais claro o que é o patognomônico na patologia . O novo nome é: IDEALCOOLISMO.
Acaba também sendo um estudo profundo sobre o masoquismo, conseqüência natural de visão que Dr. Xavier usa para observar com o que trabalha.
Espero que gostem!

“O ‘ideal’coolismo e o masoquismo mortífero”
Antonio Alves Xavier

"Considero o alcoolismo não apenas uma toxicomania ou um comportamento adictivo, mas especialmente, que ele expõe a presença de uma conduta religiosa degradada, que tem seu núcleo básico no masoquismo mortífero e moral, numa organização patológica de estreiteza mental e no uso dos efeitos psicossomáticos do álcool para a busca do ideal.
O conceito de ideal - etimológicamente do latim idealis,e - representa um estado de excelência inumana em que as mazelas humanas encontrariam uma solução perfeita ou que algo possua um alto grau de perfeição. Por ideal estamos compreendendo um estado imortal de onipotência e onisciência, um estado de intemporalidade e ausência de espacialidade, um estado de completude e invulnerabilidade, um estado em que o prazer e as virtudes estariam presentes em grau superlativo e, finalmente, uma ideologia que esses atributos seriam alcançáveis, configurando-se no alvo supremo das ambições religiosas degeneradas do alcoólatra.
Nesse sentido, penso que o ideal é intensamente buscado no alcoolismo, porque o alcoolismo atinge indivíduos intensamente vulneráveis e sensíveis às limitações da condição e do sofrimento humanos. Em virtude dessa condição, os ‘idealcoolistas’ para aplacar a intensa angústia de se sentirem humanos, criam uma saída, tornando-se alcoólatras, com o objetivo de compensar a ausência de divindade em si mesmos. Esses indivíduos estabelecem através dos efeitos ilusórios da transcendência alcoólatra, uma equação simbólica entre a bebida e a divindade: o álcool é igual a um deus. Efetivam, desse modo, um delírio de através do álcool, serem, eles mesmos, durante a alcoolização alcoólatra, uma espécie de “deus de prótese”. Com isso, o alcoólatra perverte o sentido religioso do crente, uma vez que ele não quer apenas a proteção de um Deus-Pai Onipotente, mas quer ser ele próprio o deus onipotente, criando com isso uma religiosidade degradada.
O conceito de adorador do álcool, explicitado no termo alcoólatra, fala por si mesmo e o alcoolismo, portanto, na minha concepção atual, vai muito além de uma prática de dependência química e uma conduta psicológica adictiva, pois ele configura um intenso, abrangente e verdadeiro sistema de crenças e fé no ideal de se negar humano e alcançar o ideal do utópico divino através do uso psico-religioso operacionalizado na transcendência alcoólatra.
Por outro lado, em minha consideração inicial, apresentei a idéia de que, além de uma conduta religiosa degradada, no caso do alcoólatra a questão masoquista ocupa um lugar central lado a lado com o narcisismo.
Examinemos melhor isso.
Penso que para o estudo da conexão entre o alcoolismo como uma religião degradada e o masoquismo, são fundamentais as formulações de Benno Rosenberg.
Em seu livro “Masoquismo mortífero e masoquismo guardião da vida”[1] ao tratar das definições do masoquismo mortífero, Rosemberg nos apresenta essas considerações preciosas para a compreensão do funcionamento psíquico do alcoólatra e do porque, num certo sentido, ele ao começar a beber é incapaz de parar de beber: o alcoólatra ao ingerir o 1º gole não para, mas dispara na transcendência alcoólatra vivenciando uma espécie de orgasmo. Veja-se à página 109:
“2)Trata-se para eles, parece-nos, não somente de tornar (masoquistamente) suportável, e circunstancialmente agradável, a excitação, mas de encontrar seu prazer exclusivamente (ou quase) na vivência da excitação por um investimento maior desta. O corolário dessa atitude é que a descarga como satisfação objetal torna-se, no limite, supérflua, e em última instância impossível. Portanto, o masoquismo mortífero define-se ainda, e esta é sua segunda definição, como prazer da excitação em detrimento do prazer da descarga enquanto satisfação objetal. Em oposição, com o masoquismo mortífero, o masoquismo guardião da vida, ao assegurar a aceitabilidade necessária da excitação, não impede a satisfação libidinal objetal (descarga) como ponto culminante do prazer (grifo meu) À medida que esse “deslocamento” da satisfação (descarga) objetal à excitação se produz, passamos do masoquismo guardião da vida a masoquismo mortífero, verdadeiro masoquismo patológico. Quando E. e J. Kestemberg falam, a propósito de anorexias mentais graves, de “orgasmo da fome”, trata-se do masoquismo mortífero, de um investimento masoquista da excitação da fome.”
Pois bem, então, assim como na anorexia mental grave, em que o indivíduo vivencia uma espécie de orgasmo através do investimento libidinal (prazeroso) da excitação produzida pela fome, no ‘idealcoolismo’, o alcoólatra experimenta uma espécie de orgasmo através do investimento prazeroso da excitação produzida pelos efeitos químicos do álcool.
O alcoólatra, no processo de tentar alcançar cada vez mais a transcendência alcoólatra, busca sucessivamente investir prazerosamente a excitação alcoólica dentro de si mesmo em detrimento do externo, das pessoas que o rodeiam, da atividade sexual ou profissional e no sentido abrangente, do objeto. Esse é o rosto peculiar do narcisismo do alcoólatra, que agindo assim passa do masoquismo guardião da vida para o masoquismo mortífero. Conseqüentemente, no encadeamento destas ações em busca da transcendência alcoólatra, o indivíduo nem faz idéia do que seja a “satisfação libidinal objetal (descarga) como ponto culminante do prazer”. Esse último desempenho é aquele que é utilizado pelas pessoas ‘normais’, mais humanizadas, inclusive quando bebem com uma finalidade de uso recreativo da bebida alcoólica.
É comum encontrarmos em depoimentos de membros de AA a afirmação de que “o alcoólatra deseja viver em um orgasmo permanente”.
No “idealcoolismo” o princípio de realidade, que propõe um adiamento da descarga do estímulo e uma aceitação provisória do desprazer produzido pela tensão da excitação, teve sua conexão com o princípio do prazer de tal modo prejudicada, que o prazer só parece ser possível através de uma alienação do real, do mundo humano e da convivência com o outro.
É facilmente verificável que o indivíduo alcoólatra perde a noção do real e apresenta severas dificuldades na convivência social."
Centro Psicanalítico [centropsicanalitico@terra.com.br]
SP.07/09



Dr. Emir

terça-feira, 30 de junho de 2009

Mentiras, boatos e fatos.

Klein, na verdade, percebe que o significado do mundo é interrompido por defesas que são anti-significado; percebe que há uma procura por evitação do efeito de turbulência que a presença do outro gera - principalmente quando se toma a consciência de sua necessidade absoluta -, e entende que isto incita o desenvolvimento de uma esquiva carregada de ódio contra o signo de humanidade, que há na relação de reciprocidade espontânea entre os elementos da espécie humana.
Crê que o aparelho se protege de fazer vínculos de sentido, que signifiquem ‘elos de ligação’ lógicos, e também que tenham um valor de compromisso, acrescidos de um forte tom de responsabilidade. Ela entende que o sujeito não quer ter o trabalho de mergulhar no mundo, nem nos sonhos, nem nos fantasmas que implicam a posse desse instrumento ao que chamamos de psiquismo e de sua hiperconectividade. Há sofisticado desenvolvimento de defesas anti-humanas, e, a partir destas, qualquer movimento de produzir significados (vínculos) que nos liguem ao mundo, estes são, devidamente, digamos, “desincentivados” pelo uso de um sistema que dispara boatos como sendo fatos e controla a mente com mentiras e moralidade.



Dr. Emir

Inveja: hipótese I

Inveja pode querer dizer "eu não suporto ver". É ódio de sentir desejo. Certamente a curiosidade é um alvo bom para a inveja, uma vez que é sua exata inversão: na inveja eu descubro para destruir, não para conhecer; na curiosidade mantenho relação intensa com a depressão de não ser meu o que eu desejo, mas esta relação não destrói meu vínculo com o obejto, com o qual eu posso ainda manter uma relação de descoberta, esperança e, de lambuja, reconhecer dependência, quando não, necessidade.



Dr. Emir

domingo, 28 de junho de 2009

Relações objetais: a psicose edípica!

Klein descreveu um tipo de vínculo com o conhecimento e com os objetos, que mais lembra os vínculos expressos nas violentas imagens literárias contidas na tragédia grega, mormente na esquiliana, onde a pantomima é carnal, cheia de fluidos, de muco, de brutalidade derivada da víscera. A Orestéia é um exemplo – Orestes, o herói - filho de Agamêmnon - mata a mãe para vingar ao pai, por este ter tido seu sangue derramado por ela.
Este Édipo fundava uma nova categoria psicopatológica: a ‘psicose edípica’! Édipo com ambivalência e coloridos homossexuais, assassino, justiceiro, sedento de sangue e certeza moral. Por si só, isto dava outra configuração ao drama vivido no âmago da vida familiar.
Os quadros estudados em seus livros - Erna, Dick, Richard - assemelhavam-se à neuroses obsessivas graves, com rituais severos, ou aproximavam-se dos quadros de perda de identidade, terrores e afastamento emocional da realidade, isolamento e angústias que não poderiam ser propriamente qualificadas como neuróticas, tal era a precocidade havida nas manifestações dos distúrbios que essas crianças apresentavam.
Começavam as patologias da infância, e uma nova era teórica. Chegávamos agora às “psicoses obsessivas”. De alguma forma Klein já intuía que não eram suficientes as definições produzias pela “neurótica[1]” de Freud para tratar do problema como ela o via. Essas crianças não poderiam ser tomadas como neuróticas, uma vez que seus sintomas estariam mais próximos das manifestações das desordens psicóticas ou de desordens sugeridas por quadros onde houve uma forte detenção do aprendizado e do crescimento, mas, o que mais lhe atraia era perceber que, de qualquer forma, a infiltração da insanidade, fosse qual fosse o nome dado ao estado psicopatológico, já estava lá. E a parada no desenvolvimento, também, ali já se anunciava como solução sem pensamento.


[1] Neurótica = a teoria das neuroses.



Dr. Emir

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Conhecimento em Klein

Conhecer envolve ter nascido, e suportar a lógica geométrica do triângulo. É a crença de Klein. Aprendizado é a transformação metafórica do coito, da fecundação e do nascimento, é a realização do vir à luz, que é ao mesmo tempo tomar uma forma, materializar-se. Esse nascimento não é menor do que uma primeira organização lógica de um sistema virgem.
Porém, virgem ou não, o sistema tem que estar preparado para reconhecer que curiosidade envolve vínculo, e vínculo - dentro da lógica freudiana que Klein adota - é coito, e coito envolve associação, que envolve ser de companhia, que envolve ser só, que envolve luto, e que para alguns bebês é dor sem limite, cruel e triunfante. Daí, alguns desses pequenos muito cedo se disporem a ficar psicóticos. Triste fim, pior ainda a escolha da meta e o meio.
Mas, de alguma forma sabemos, o quanto a insanidade compensa, não?
Dr. Emir

domingo, 21 de junho de 2009

Complexo de Édipo primitivo

Imaginem as dimensões emocionais de um complexo de Édipo vivido e experimentado com os recursos de um bebê de três meses de idade! Klein de alguma forma chegou ao mais simples, ao mais básico. Pos em palavras aquilo que é apenas uma apavorante sensação de estar sem armas maduras em meio a um festim totêmico, onde tudo o que está sendo produzido vem a ser destruído no mesmo momento em que nasce. Festim sem sobras, devoração e auto-devoração. Tudo nascido, tudo morto. Ela também quis nos chamar a atenção para a forma de representação que existe aí nesse “habitat” do psíquico. Ela deu ao “isso” uma cena e um lugar, lugar onde são formadas as fantasias primitivas de gozo sem limites e de destruição completa: luxuria, depravação e morte. E mais pra que? Certamente a morte vem antes de tudo. Sade foi contundente quanto a isto.


Dr. Emir

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Pulsão de morte

De qualquer forma é interessante notar que quando falamos em pulsão de morte, no aparelho psíquico, ela está viva, correto?
É da vida da pulsão de morte que se fala quando se fala de uma pulsão que é de morte?
Curioso, não?


Dr. Emir

terça-feira, 9 de junho de 2009

Masoquismo.

Mas que importa a dor se ela, para não ser sentida, se torna um desejo, e fica mais valiosa nos fazendo julgar que vale a pena sofrer.



Dr. Emir

terça-feira, 2 de junho de 2009

Caminhar no escuro: mais clínica

Caminhar no escuro é condição do trabalho do psicanalista.
Estar sem esperar, mesmo esperando. É outra condição.
Manter-se calmo, mesmo que no íntimo a experiência indique ventos com potencial destrutivo. Outra.
O cliente que falta e não avisa mantém o analista em estado precário de concentração.
Desfoca e desconcentra por indução de comunicação sem palavras, isto é, formulam-se emoções entre as mentes dos indivíduos que roubam áreas de sonho em parceria.
Melancolia e angústias de luto mórbido se avisinham e se expressam por terror no contato.


Emir

quarta-feira, 6 de maio de 2009

mais clínica: uma repetição necessária

“Um eu sofre daquilo que fala e não do que sofre.
Do que eu sofro eu não sei, mas falo que sofro daquilo que falo que é meu sofrimento...
Por isso sofro, por isso falo que sofro para sofrer do que falo."


Dr. Emir

terça-feira, 5 de maio de 2009

An oak tree, 1973


An oak tree, 1973
Michael Craig-Martin (1941)
Q. To begin with, could you describe this work?
A. Yes, of course. What I’ve done is change a glass of water into a full-grown oak tree without altering the accidents of the glass of water.
Q. The accidents?
A. Yes. The colour, feel, weight, size …
Q. Do you mean that the glass of water is a symbol of an oak tree?
A. No. It’s not a symbol. I’ve changed the physical substance of the glass of water into that of an oak tree.
Q. It looks like a glass of water.
A. Of course it does. I didn’t change its appearance. But it’s not a glass of water, it’s an oak tree.
Q. Can you prove what you’ve claimed to have done?
A. Well, yes and no. I claim to have maintained the physical form of the glass of water and, as you can see, I have. However, as one normally looks for evidence of physical change in terms of altered form, no such proof exists.
Q. Haven’t you simply called this glass of water an oak tree?
A. Absolutely not. It is not a glass of water anymore. I have changed its actual substance. It would no longer be accurate to call it a glass of water. One could call it anything one wished but that would not alter the fact that it is an oak tree.
Q. Isn’t this just a case of the emperor’s new clothes?
A. No. With the emperor’s new clothes people claimed to see something that wasn’t there because they felt they should. I would be very surprised if anyone told me they saw an oak tree.
Q. Was it difficult to effect the change?
A. No effort at all. But it took me years of work before I realised I could do it.
Q. When precisely did the glass of water become an oak tree?
A. When I put the water in the glass.
Q. Does this happen every time you fill a glass with water?
A. No, of course not. Only when I intend to change it into an oak tree.
Q. Then intention causes the change?
A. I would say it precipitates the change.
Q. You don’t know how you do it?
A. It contradicts what I feel I know about cause and effect.
Q. It seems to me that you are claiming to have worked a miracle. Isn’t that the case?
A. I’m flattered that you think so.
Q. But aren’t you the only person who can do something like this?
A. How could I know?
Q. Could you teach others to do it?
A. No, it’s not something one can teach.
Q. Do you consider that changing the glass of water into an oak tree constitutes an art work?
A. Yes.
Q. What precisely is the art work? The glass of water?
A. There is no glass of water anymore.
Q. The process of change?
A. There is no process involved in the change.
Q. The oak tree?
A. Yes. The oak tree.
Q. But the oak tree only exists in the mind.
A. No. The actual oak tree is physically present but in the form of the glass of water. As the glass of water was a particular glass of water, the oak tree is also a particular oak tree. To conceive the category ‘oak tree’ or to picture a particular oak tree is not to understand and experience what appears to be a glass of water as an oak tree. Just as it is imperceivable it also inconceivable.
Q. Did the particular oak tree exist somewhere else before it took the form of a glass of water?
A. No. This particular oak tree did not exist previously. I should also point out that it does not and will not ever have any other form than that of a glass of water.
Q. How long will it continue to be an oak tree?
A. Until I change it.
tradução:
An oak tree, 1973
Pergunta:Para começar, você poderia descrever este trabalho?
Resposta:Sim, claro. O que fiz foi transformar um copo d´água em um carvalho adulto, sem alterar as características do copo d´água.
Pergunta:Características?
Resposta:Sim, a cor, a sensação, o peso, o tamanho…
Pergunta:Você quer dizer que o copo d´água é um símbolo de um carvalho?
Resposta:Não. Não é um símbolo. Eu transformei a substância física do copo d´água em um carvalho.
Pergunta:Mas se parece com um copo d´água.
Resposta:Claro que se parece. Eu não mudei sua aparência. Mas não é um copo d´água, é um carvalho.
Pergunta:Você pode provar o que você afirma ter feito?
Resposta:Bem… Sim e não. Eu afirmo ter mantido a forma física do copo d´água, e como você pode ver, eu mantive.No entanto, como normalmente procurarmos por evidências da mudança física em termos de alterar a forma, não existe prova para isso.
Pergunta:Não teria você simplesmente chamado o copo d´água de carvalho?
Resposta:Claro que não. Já não é mais um copo d´água.Eu transformei sua real essência. Chamar isso de um copo d´água já não é mais correto. Qualquer um pode chama-lo do que bem entender, mas isso não vai alterar o fato de ser um carvalho.
Pergunta:Isto não é igual a história da “Roupa Nova do Emperador“?
Resposta:Não. Na história da roupa do rei, as pessoas afirmavam ver algo que não existia. Eu ficaria muito surpreso se alguém me dissesse que isto é um carvalho.
Pergunta:Foi difícil fazer a transformação?
Resposta:Não, não foi difícil. Mas custou anos de trabalho antes de perceber que poderia fazê-lo.
Pergunta:Quando exatamente o copo d´água se tornou um carvalho?
Resposta:Quando eu coloquei a água no copo.
Pergunta:Isso acontece sempre que você enche um copo d´água?
Resposta:Não, claro que não. Apenas quando eu tenho a intenção de transforma-lo em um carvalho.
Pergunta:Então é a intenção que faz a transformação?
Resposta:Eu diria que é um começo.
Pergunta:Você não sabe como fazer?
Resposta:Isso contradiz o que sinto e o que sei sobre causa e efeito.
Pergunta:Parece que você afirma ter feito um milagre. É isso mesmo?
Resposta:Estou lisonjeado que você pense assim.
Pergunta:Mas, você não seria a única pessoa que pode fazer algo assim?
Resposta:Como eu poderia saber?
Pergunta:Você poderia ensinar isto para outras pessoas?
Resposta:Não, não é algo que eu possa ensinar.
Pergunta:Você considera que a transformação do copo d´água em um carvalho constitui uma obra de arte?
Resposta:Sim
Pergunta:O que exatamente é a obra de arte? O copo d´água?
Resposta:Não existe mais um copo d´água
Pergunta:O processo de transformação?
Resposta:Não existe nenhum processo na transformação.
Pergunta:O carvalho?
Resposta:Sim, o carvalho.
Pergunta:Mas o carvalho só existe na imaginação?
Resposta:Não. Na verdade o carvalho está fisicamente presente, mas na forma de um copo d´água. Assim como um copo d´água é um copo d´água, um carvalho também é um carvalho.Assimilar categoricamente um carvalho ou imaginar um carvalho em especial, não é o mesmo que compreender o que parece ser um copo d´água como um carvalho.Isto é tão imperceptível quanto inconcebível.
Pergunta:Este carvalho em especial existiu de verdade em algum lugar antes de se transformar em copo d´água?
Resposta:Não. Este carvalho em especial nunca existiu antes. Também devo afirmar que ele nunca teve nem nunca terá outra forma além do copo d´água.
Pergunta:Por quanto tempo isto continuará sendo um carvalho?
Resposta:Até que eu o mude.

Michael Craig-Martin (1941)
Dr. Emir

segunda-feira, 4 de maio de 2009

mais clínica

As pessoas que ouço sofrem do que falam que sofrem e não do que sofrem.
Não sabem do que sofrem. Falam do que sofrem, mesmo que esse sofrer de que falam não seja seu. Não sabem quem são, e é disto que sofrem, mas disto não falam.
Dr. Emir Tomazelli

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Fêmeas: memória ou desejo?

As palavras ditas para a parede de minha sala, que se edifica diante do cliente enquanto eu o escuto, lá atrás, protegido do impacto frontal do dizer[1], dizem que as fêmeas sofrem, que as mulheres perdem, que as mulheres não são vistas.
As palavras (que Freud considera reais agências reveladoras dos não ditos) escorrem do divã quando as fêmeas falam, e gotejam no tapete da sala como bile que digere o nada da angústia. Essas falas dizem de um esverdeado que devora a ausência e, em seguida, a expele. Famintas, as falas das fêmeas comem o minúsculo fragmento de brasa por confundirem a fonte de calor perigosa com o calor daquilo que seria alimento. Engolem a brasa e, sem controle, em seguida, expulsam-na. É o calor que queima; falsamente pensado como proteção! Este é o feminino: sombra que só se alimenta do que pode matá-lo.
É o falso sonho onde hysteros é apenas útero, corpo puro, totalmente ausente dos fantasmas que o traduzem e o transcrevem. Psicopatologicamente antes de serem mulheres, as fêmeas, desenvolveriam a ‘uteria’ e não a ‘hysteria’, e as mulheres seriam ‘utéricas’ e não ‘hystéricas’.
As fêmeas sofrem. Mas são fortes, não fraquejam. Nunca, nem diante do gozo obtido pelo masoquismo feroz que cultivam depois que o desenvolvem. Destruídas, exaustas, mais em pé, sempre prontas para um novo sacrifício, para mais sangue.
São boas, são santas, não acreditam que os cães podem mordê-las no rosto, não acreditam que os maridos podem odiá-las e preferirem se masturbar a estar com elas; ou, talvez ainda prefiram estar com machos para serem consolados por suas varas vigorosas. Não acreditam que suas mães ou suas amantes (qual seria a diferença entre estas?) podem matá-las, nem de que suas filhas as odeiam. Não sabem que são loucas, topam qualquer parada. Talvez por isso que a morte poderia ser definida como o feminino da pulsão. Assim não se perderia mais tempo em pensar a pulsão de morte. O feminino é suficiente para dar forma ao que deveria ser da ordem da morte!
Não sei se ouço bem ou se invento o que me dizem, mas o que dizem quando me falam - ou quando falam para a parede do meu consultório - é isto que agora eu digo que me dizem quando falam: elas sofrem, elas padecem de amor. Principalmente se falam daqueles que amam e daqueles que desejam, pois que as fazem sofrer. O amor é cego, reveste de sentido o vazio vôo de Ícaro rumo ao sol.
Há anos uma cliente me disse: “Mulher não quer amor, quer prova de amor!” Até hoje isto reverbera nas sessões onde as escuto. E, quando falam, se é que falam quando falam, falam de uma dor que deriva da cicatriz destino do que é para elas o ter no corpo esse outro decalcado que é o ser de mulher! Condenada a seus órgãos, suas funções e ao insuportável complemento que evocam esses mesmos órgãos e funções: o órgão receptivo anseia pelo intrusivo. Destino de corpo. Seta que aponta o lugar onde o eu deve estar, quer queira quer não. De alguma forma é o preço que se paga pelo corpo que se tem.
De bom grado qualquer homem poderia somente querer que a mulher (toda mulher) estancasse ali onde o corpo oferece uma brecha. Bastaria para nós essa flor que se abre para a procriação e também para a insanidade. Ao homem comum basta o mergulho e o desaparecimento. Complexo é, para a fêmea, possuir Thalassa no corpo e abri-la para ser invadida e “conhecida” pelo intruso obrigatório. Se Jesus é o ‘pene’-trante, o êxtase de Santa Teresa D’Ávila[1], as interpretações místicas de Françoise Dolto para os bebês e o transe psicótico de Klein junto de suas crianças, também se inscrevem no feminino. Ou não?
É o corpo que impera, é o corpo que “inter-preta”! Ela é selvagem. E, se não anda com os lobos, deveria.
[1] Há os que me dizem na cara.
[1] Vasse, ,DENISE Leitura psicanalítica de Teresa D’Ávila. Tradução de Nadyr de Salles Penteado, Edições Loyola, São Paulo, 1994

Dr. Tomazelli

sexta-feira, 3 de abril de 2009

invasor-hóspede

Para quem se apercebe como tendo mente própria, percebe também que ela não é capaz, no início, de oferecer um espaço suficientemente estável onde, aquele que recebe a visita do outro, possa ser hospitaleiro ao outro nem às “coisas do mundo”. O estranho e o invasor que se unificam por medo, vêm antes do hóspede, é por essa razão que paira sobre o hóspede o medo do intruso. Talvez não seja tão fortuito que em nossa língua a palavra hóspede seja precedida das mesmas letras que se encontram na palavra hostil. Hospitalidade-hostilidade. É dessa tensão - insolúvel fora da fé e do amor a si, ao próximo e ao mundo cirundante - que derivam as inibições cognitivas, e por isto encobrem a atividade das fantasias que indicam que o conhecimento é bem-vindo. Pelo contrário, a mente primitiva tende a mergulhar em um mundo de significações brutas, auto-eróticas, narcisicamente temperadas com sabores perversos e promíscuos de um tipo de sexualidade característica do subterrâneo humano das desordens psicóticas.
Dr. Tomazelli

terça-feira, 31 de março de 2009

Mentira.

Mentira também pode ser apenas a construção de uma hipótese provisória para explicar aquilo para o que não se encontrou ainda nem definição nem palavra que abarque a experiência satisfatoriamente.



Dr. Tomazelli

Verdade como Bion a pensava...

"Verdade sem amor é crueldade.
Amor sem verdade é paixão."
Wilfred Bion
(não sei a fonte no Bion, mas ela está escrita em um dos livros do Antonio Muniz de Resende)
Dr. Tomazelli

domingo, 29 de março de 2009

Falar a verdade!

Falar a verdade é falar da sujeira que há sob as coisas.
É falar sobre o que não deve ser dito. É dar voz ao que ninguém quer ouvir, menos ainda quer se ocupar.
A verdade fere. Atinge o que não deve, e levanta, mesmo que seja uma apresentação do real e da realidade, suspeita, desconfiança e aumento da agressividade entre todos.


Emir Tomazelli

quinta-feira, 26 de março de 2009

O arcaico

Entre o arcaico e o real está o sujeito. Ali, por um fio. Precisamente ali, no meio, fazendo força para nascer e dar suporte corporal a essa colisão trágica. O sujeito nasce desse colapso que se dá no encontro inicial entre os mundos. É um encontro que se repete. Garcia-Rosa, em seu livro "Acaso e Repetição", fala do trágico como sendo aquilo que é da ordem da repetição do acaso. No arcaico o trágico também é repetição. Mas uma vez é o acaso que permite o encontro do sujeito com aquilo que seria seu destino. Fazemos o mesmo, mais uma vez, repetimos aquilo que aconteceu inesperadamente, repetimos o que escapou e o que evanesceu.
É o encontro com aquilo que está pronto para ser descoberto e imediatamente recoberto pelo esquecimento do conhecido do mundo: amnésia originária. E é aí que a experiência de construir conhecimento vem a equivaler à experiência traumática. Traumática porque causa no interior psíquico da criança, que não discrimina essas duas dimensões da vida psíquica, uma destruição real do simbólico e do fantasma, e uma impossibilidade de acesso ao auxilio sereno de um adulto sadio, desejoso de vida e de oferecer hospitalidade àquele que chega.
Dr.Tomazelli

Mais humanidade

W. H. AUDEN

De 'Primeiro de setembro de 1939':

Crianças com medo da noite
Que nunca foram felizes nem boas
(Children afraid of the night
Who have never been happy or good)

De 'O escudo de Aquiles':

...perderam seu orgulho
E morreram como homens antes que seus corpos morressem.
(...they lost their pride
And died as men before their bodies died.)

Um rapazola esfarrapado, só e sem destino,
Vagava por aquele terreno baldio, um pássaro
Voou em busca de segurança, fugindo de sua pedra de boa mira:
Que moças são estupradas, que dois rapazes esfaqueiam um terceiro,
Eram axiomas para ele, que nunca tinha ouvido falar
De nenhum mundo onde as promessas fossem cumpridas.
Ou de que alguém pudesse chorar porque outra
pessoa estivesse chorando.
(A ragged urchin, aimless and alone,
Loitered about that vacancy, a bird
Flew up to safety from his well-aimed stone:
That girls are raped, that two boys knife a third,
Were axioms to him, who'd never heard
Of any world where promises were kept.
Or one could weep because another wept.)

tradução de Sérgio Flaksman


Dr. Emir (seguindo as dicas do amigo Lineu Silveira)

segunda-feira, 23 de março de 2009

Megalomania

"A transformação que envolve ‘vindo a ser’ é inseparável de vindo a ser Deus, realidade última, a Causa Primeira. A dor ‘noite escura’ é medo de megalomania. Este medo inibe a aceitação de ser responsável, isto é maduro, porque esta condição parece envolver sendo Deus, sendo a Causa Primeira, sendo a realidade última com uma dor que pode ser, se bem que inadequadamente, expressa por ‘megalomania’." (pp.187,188)
(Bion, Wilfred – Transformações; tradução de Carlos Heleodoro Pinto Affonso, Maria Regina Affonso Junqueira, Luiz Carlos Uchoa Junqueira Filho; Imago; Rio de Janeiro; 1983)
Dr. Tomazelli

terça-feira, 17 de março de 2009

Assassinos.

Vou tentar fazer algumas perguntas:
-Por que o assassino não designa a si mesmo a qualidade de ódio semelhante à que ele designa ao outro quando o escolhe e mata?
-Ele ama a si mesmo?
-E ao outro, ele... ele é uma perturbação, um zumbido?
-Por que ele não mata a si mesmo? Já que se trata de eliminar uma perturbação.
-Ele se auto preserva?
-Essa preservação é amor a si?
-É amor próprio?
-Ele não teria ódio próprio?
-Quem tem ódio próprio se suicida?
-Quem tem amor próprio assassina?

Dr. Emir

domingo, 15 de março de 2009

Acusar.

Mas como acusar é inevitável e é no encontro com alguém onde se compreende de onde vem a dor, tudo aí se resolve: o encontro é sofrimento porque é acusação de dor sentida. Por que é do outro humano de onde parte a dor que é minha e que eu mesmo lhe projetei.
Aqui Emanuel Lévinas talvez ajude Klein a dizer o que deveria ser dito.

“O turbilhão: o sofrimento do outro, minha piedade por seu sofrimento, minha dor por causa dessa dor, etc., pára em mim. Eu – o que comporta em toda essa iteração um movimento adicional. Meu sofrimento é ponto de mira de todos os sofrimentos (...) Não é o fogo purificador do sofrimento que, magicamente, contaria aqui. Esse elemento de ‘pura queimadura’, por nada, no sofrimento, é a passividade do sofrimento que impede seu retorno como sofrimento assumido onde se anularia o ‘para-o-outro’ da sensibilidade, ou seja, seu sentido mesmo (...) A encarnação do Si e suas possibilidades de dor gratuita devem ser compreendidas em função do acusativo absoluto do Si, passividade aquém de toda passividade no fundo da matéria fazendo-se carne. Mas é preciso perceber, no caráter anárquico do sofrimento – e antes de qualquer reflexão – um sofrimento do sofrimento.” (apud Schneider, 1997, p.83).



Dr. Tomazelli

terça-feira, 10 de março de 2009

Imaturidade

Para a imaturidade, o tempo e a observação da realidade, são insuportáveis, pois, na imaturidade, prevalece o desespero por solução rápida, e, infelizmente, é ela mesma, a própria imaturidade, que gera essa brutalidade que é defensiva contra a relação com a verdade.



Dr. Tomazelli

segunda-feira, 9 de março de 2009

aos jovens!

Para um sujeito que está envolvido a fundo no projeto humano não há infância, não há descanso: a vida real não é para principiantes.
Dr. Tomazelli

domingo, 8 de março de 2009

Narcisismo.

No mundo dos reflexos o triunfo supremo é do deus-olho-vigilante, ser interno, invejoso devorador de vidas. No narcisismo não há como ultrapassar o portal que dá acesso ao ser. Ficamos detidos na mimese, na imitação, no simulacro. O ídolo nos detém ali junto ao altar para nos arrancar, se não os olhos ou o sangue... mais uma idolatria... além do dízimo, é certo. Idolatria é narcisismo, idolatria é heteronomia, é submissão ao ‘lider’, ao Messias, ao GRANDE OUTRO.



Dr. Tomazelli

Ambiente.

Dentro e fora de nós, o ambiente não começa tampouco acaba.
Nele a ação se eternaliza e se expande sem medida.
Por vezes adoece e se cristaliza. Fica impedida de desgastar-se nos sonhos e no esquecimento,
ou de perder-se, simplesmente, no valão das coisas sem sentido, que escorrem para os esgotos das cidades psíquicas, no dia-a-dia.
Dr. Tomazelli

sexta-feira, 6 de março de 2009

Desenvolvendo a prática da tristeza!

dedico este samba a Pedro Garrido
"Refém da Solidão"
Quem, da solidão fez seu bem,
Vai terminar seu refém,
Não vai nem vem,
E uma certa paz, que não faz nem desfaz,
Tornando as coisas banais,
E o ser humano incapaz de prosseguir,
Sem ter pra onde ir...

Infelizmente eu nada fiz,
Não fui feliz nem infeliz,
Eu fui somente um aprendiz
Daquilo que eu não quis,
Aprendiz de morrer,
Mas pra aprender a morrer
foi necessário viver
E eu vivi, mas nunca descobri,
Se essa vida existe,
Ou se essa gente é que insiste,
Em dizer se é triste ou se é feliz,
Vendo a vida passar...

Ah, essa vida é uma atriz,
Que corta o bem na raiz,
E faz do mal cicatriz,
Vai ver até que essa vida é morte
E a morte é a vida que se quer".
Baden Powell e Paulo César Pinheiro.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Ser!

E daqui se extrai o ensinamento: ‘fazer-se ser’ é diferente de ‘poder ser’. ‘Fazer-se ser’ é narcisismo, ‘poder ser’ é diferente de narcisismo. 'Poder ser' é abandonar-se ao acontecer ou à acontecência. 'Fazer-se ser' é da ordem do imediato, 'poder ser' envolve temporalidade, paciência, fé e muita tristeza, mas tristeza da boa, daquela que é dor não só de sentir, mas é dor boa de fazer poesia.




Dr.Tomazelli

terça-feira, 3 de março de 2009

Psicose e piquismo.

Psicose e psiquismo. Eu e objeto. Um e outro. Ponto de fratura, de ruptura. Forquilha ou beco sem saída? Ter vida psíquica significa exigência de trabalho e convívio com ignorância e incerteza, além de convívio com a indigesta presença de algo a que chamamos ‘o outro’. Por outro lado é bom que se tenha uma capacidade muito bem desenvolvida para suportar frustração e sermos capazes de esperar pelo tempo - em sua passagem - construindo áreas de esperança(psiquismo); que sempre serão ameaçadas pelos movimentos inesperados do impulso destrutivo contra si mesmo e contra os outros, derivado das respostas agressivas que damos sem controle(psicose).
Dr. Tomazelli

segunda-feira, 2 de março de 2009

Pathei Mathos:
"Every drama (Action, actions) leads to pathos (Suffering), from suffering comes mathos (Wisdome). "
http://hagay.blogspot.com/2006/06/drasanta-pathein-pathei-mathos.html


"Pathei Mathos
Many commentators have said that the Greek phrase pathei mathos is the meaning of Aeschylus’ the Oresteia; it means “by suffering, learning.” In order to explain this phrase, there is a great deal of suffering in the first two plays, Agamemnon and the Libation Bearers, but by the third play, the Euminides, learning takes the place of suffering. From the beginning to the end of the Oresteia, the connotation associated pathei mathos changes from an idea of revenge to one of judgment. In Agamem"
http://www.findfreecollegeessays.com/show_essay/29760.html

Dr.Tomazelli

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Ética.

O luto, e as trágicas dores ligadas, em nossa mente, ao inescapável do acontecimento de nossa própria morte, são um esteio, um possível caminho e uma direção rumo ao aprimoramento de nossa ética e da elevação de nosso ser. A interrupção, o corte, a intransponível cesura que essa mesma morte abre - associada aos rituais que a simbolizam-, são os elementos que fundamentam a presença da pessoa viva no mundo, como também são os elementos da simbolização feita via luto, via perda, via tristeza. Daí a questão kleiniana do estabelecimento de uma ética que nos leva a compreender que só um ‘eu’, em sua própria singularidade, pode responder por si e morrer ao seu modo, sem que nenhum outro lhe faça alguma interpelação ou nisto interfira.
Dr. Tomazelli

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Intuição e psicose!

A intuição, tanto quanto a psicose, acessam o outro, e a qualquer tipo de objeto, por via emocional, isto é: telepática e hipnótica. O tom mais psicótico ocorre quando essa comunicação se torna invasiva e sem mediação. Lembra a invasão dos saqueadores de tumbas e o uso de tecnologias à disposição no mercado. No caso da invasão psicótica, a intenção é o saque psíquico, e isto nos leva a usar uma armadilha hipnótica que segura a presa e uma perfuratriz telepática, que a invade, pega o que “necessita”, e se retira deixando os estragos para aquele que ali vive. No caso da intuição, o procedimento da invasão é benigno; é mais parecido com aquela invasão do herói, que escapa dos lugares que invade, mas sem deixar rastros nem danos... Poderiam ser representados pela figura do arqueólogo, do cientista e do psicanalista.

Dr. Tomazelli

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Cuba, a Ilha cárcere!

Dedico este texto a todos os Renés e a todas as Magaritas que vivem em Cuba!
Los cubanos están muertos!
Conheci Cuba em 2008.
Era um dia de sol.
Na verdade visitei La Habana! Foi em outubro.
Quando me dei conta, percebi-me num lugar que exige daquele que ali vai uma disposição para luta.
Saí de lá ferido.Perdi todas.
Conclui: quem vai a Cuba sai machucado por ela.

Sobrou muito pouco de mim depois que saí. Foi alívio.
(a Ilha toda tem 110.861 km². Os habitantes são 11.382.820, no censo de 2006.)
Curioso!
Olhei, olhei e pensei comigo mesmo depois de ter sido abordado por dois policiais, “en la Plaza de la Revolución”:
- “Estão todos mortos.”
Estão rígidos (apresentam uma rigidez cadavérica), quebráveis... Em uma espécie de semi-sono e se vêem donos de tua vida, docemente patéticos e sem dentes, com a cabeça completamente curtida em barris de castrismo.

É a educação castrista: educação a qualquer preço. “–Aprende, se não eu te mato!”
¡La gran revolución los mató!
Mortos diplomados duas ou três vezes. Mortos simpáticos. Mortos doces... Mortos ladrões, cúmplices, ... garçons, porteiros - en la carpeta!
Putas – muitas - lindas, cobertas por um véu de vazio e desespero, mas portadoras de belíssimas pernas, bundas e peitos apetitosos.
Sexo de todas as marcas, ao seu dispor, no lobby do hotel... (Talvez, tenha sido a única coisa que o regime não pode controlar, porque o resto arrancou de todos, sem nenhum dó.)

Estão encharcados de Run...(e do oro negro – o petróleo que é deles - que querem te empurrar, sempre o mais caro)
Mesmo mortos, falam, cantam e se dirigem a você para pedir alguma ‘coisa’ que lhes aplaque o desamparo e a dura sensação de não vida.
Quando não te querem aceitam alguns CUCs, que podem servir para o mercado subterrâneo.

Depois de Win Wenders e Ry Couder, todos são o Buena Vista Social Club!
Ah!Cuba! A Ilha Cárcere.
Cuba ilha de fantasmas oportunistas, que se agarram à pouca vida que o turista leva consigo.
(Sai-se da Ilha sem vida no bolso.)
Sabem várias línguas, inclusive o russo.
É uma favela imensa e culta... Falsamente culta. O aprendizado puro, sem lucro envolvido, desemboca no mesmo saber "lucrativo" dos meninos baianos que descrevem a Igreja do Bonfim sem saber do que falam... é um silêncio sem fim nessas bocas de tantos santos.

São ‘clowns’? Malabaristas? Andam na corda bamba... pisam descalços nos cacos de vidro das garrafas do destilado que bebem, quando se embriagam nas noites quentes do fim de semana, no Malecón.
Ingerem quantidades enormes de medo ideológico, estão em pânico e nem sabem disto. Hipnotisados, zumbis... mas não morrem de fome... Morrem só de tédio, morrem de submissão...
O estrangeiro que “visita” a Ilha, caminha num tapete mágico que o leva do nada a lugar nenhum.
É um trem fantasma, é um corredor sem portas, é o 'cuban socialism carpet service'.
Na verdade é um brete onde se vacina gente/gado/humano contra o desejo, o sonho e o pensamento vivo rumo à liberdade.

Camisa de força, torpor contínuo, percurso sem rumo, sem chegada... onde der deu.
Mundo falso, cheio de Hemingways bêbados, urdidos em bronze, imóveis, idênticos, com os cotovelos apoiados nos balcões dos bares La Floredita espalhados por todo o país, em imagens holográficas geradas em La Habana...
Em 1959 todos foram soterrados pela maldita bondade de Castro e Che.
Amizade maldita!
Maldito libertador!
Este sim foi o mais violento ‘Happy new Year’, que alguém deu aos cubandos.
Era o começo da era da consternação... e da luta contra o opressor. Só rindo!
(Malditos sejam os bondosos, deles será o inferno de todas as noites de insônia! Malditas sejam todas as revoluções em nome do bem.
Deus me livre ser representado por alguém. Ter alguém que fale por mim... melhor caminhar só. )
Cuba é um mundo especial.
Mortos alfabetizados, com 78,3 anos de expectativa de vida, saúde perfeita... Pobres, cheios de saúde.
Completamente irresponsáveis, mas muito enriquecidos pela amizade que o cárcere gera, pelo amor ao outro que o fundo amargor ajunta e solda, e pelo vínculo com a miséria e as péssimas condições de existência.
Resistem, bêbados, agarrados a cartazes espalhados nas estradas e nas ruas, e que dizem: “Revolución o muerte!”
Ah! Fidel!
Quem é você?
Contra quem lutas?
O que você trouxe aos cubanos!?
Quem são os teus inimigos?
De que revolução se trata?
Libertação dos Yankes?
Ahhhhhrrrrrrrrrrrrrrrrrrhhh!
(... Façam-me o favor.
o que ele deu a eles chama-se desejo. Desejo de morte! Do legítimo. De los puros!
Aí sim temos do que se trata.
E ponto.)


Emir Tomazelli

25/02/2009

Supervisionandos!

Caros,
por favor leiam este texto.
Ele se encontra disponível no sítio:

http://www.estadosgerais.org/encontro/o_laco_de_sangue.shtml

é fudamental para a consutrução pessoal da própria clínica.


prof. Emir

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Pistas para a compreensão da anorexia

1)
Se 'an-orexia', é ausência de desejo, e desejo envolve ter algum prazer... então, me pergunto, de que prazer se fala?
Prazer oral? Calma oral? Alívo oral? Descanso?
Do que isto trata? Que prazer é este?
Prazer que envolve a construção psíquica da boca como um órgão de prazer; ou prazer que dissolve a boca fazendo-a desaparecer?
Qual será o destino do órgão depois de ungido por tal princípio? sua abertura ou seu fechamento completo.
Se n'O Grito' de Edvard Munch, fica claro o efeito daquilo que se expele pela boca, na anorexia, evidencia-se o que ela pode guardar, o que ela pode sepultar.
O desabamento das portas da cidade, o soterramento da entrada e do acesso ao dentro indica colapso e tentativa desesperada de livrar-se do exterior anulando o espaço interno. Não é improvável que a humanidade, em algum momento de sua evolução, tenha considerado seriamente ver-se livre da boca. Ela já foi em algum ponto de sua evolução uma ameaça.
O prazer oral é brutal e pode ser levado às últimas conseqüências transformando-se em encarceramento da boca[1]. Boca lacrada, boca sem entrada. Paradoxo?
A etimologia aponta para um problema no desejo. ‘Orexis’ em grego é desejo. A an-orexis é uma ausência de desejo.
Prefiro seguir outra pista, a da sonoridade, que aponta para a ausência de boca: 'an-oros'. Ausência de orifícios. Ausência de cavidade oral.
Minha impressão é de que é o orifício oral o que está em questão, e não o desejo! O drama aqui se estabelece contra a existência do espaço.

2)
Vejamos as palavras:
oral:
 adjetivo de dois gêneros
1 relativo à boca; bucal
Ex.: higiene o.
2 que se produz na boca
Ex.: som o.
2.1 Rubrica: fonética.
em cuja articulação o ar expirado passa apenas pelo canal bucal (diz-se de fonema, som etc.)
Obs.: p.opos. a nasal
Ex.: consoante o.
3 que se propaga, se transmite pela boca
Ex.: contágio o.
4 que não é ou não está escrito; dito, realizado ou expresso de viva voz; verbal
Obs.: p.opos. a escrito
Ex.:
5 que se transmite de boca em boca; verbal
Obs.: p.opos. a escrito
Ex.: tradições o.
 substantivo feminino
6 prova ou conjunto de provas realizadas oralmente, de viva voz, ger. em complementação à parte escrita
 substantivo masculino
Diacronismo: antigo.
7 véu fino outrora us. por senhoras recatadas para velar o rosto
etimologia:
rad. do lat. os,oris 'boca; linguagem, língua, idioma; rosto, fisionomia; abertura, orifício' + -al; ver 2or(i/o)-
orexia:
 substantivo feminino
1 desejo, vontade de comer; apetite
1.1 Rubrica: medicina.
necessidade ou desejo imperioso e contínuo de ingerir alimentos
anorexia:
a. mental ou nervosa
Rubrica: psicopatologia.
quadro mórbido em que o indivíduo diminui a quantidade de alimentos ingeridos, freq. eliminando aqueles ricos em calorias, por meio de uma dieta rígida auto-imposta, que alterna com crises de bulimia, vômitos ou tomada de purgativos
anoréxico:
adjetivo
relativo a anorexia; anoréctico, anorético
etimologia:

anorexia + –ico; cp. anoréctico e anorético; ver a(n)- e –orexia
orexígeno:
adjetivo e substantivo masculino
Rubrica: farmacologia.
que ou o que estimula o apetite (diz-se de substância ou droga).

3)
Primeiro assentamento:
“Pois o que se encontra em causa aqui – como se vê nas anorexias depressivas-, é a corporeidade mortal do outro, que por sua presença real e manifesta (por vezes excessiva) constitui-se em obstáculo contra o dom de sua substância. Estamos pensando nas anorexias, pois elas possuem o ‘método’, tão fisicamente psíquico, de se alimentar em silencio e sem que o outro saiba, da substância incorporal de seu corpo. A alteridade é causa do sofrimento da existência psíquica, e é essa alteridade promissora que se encontra na fonte da verdadeira dependência e, portanto, da alienação. Dissolver essa alteridade consiste em roubar-lhe o efeito benéfico de sua presença negando seu poder de curar em pessoa.” (p. 117; Fedida, 2002[2])

4)
Segundo assentamento:
“No entanto, no campo da clínica da psicanálise, coube a Harold Searles em um de seus mais instigantes trabalhos (Searles, 1973) nos propor a hipótese ousada de que ‘entre as forças inatas mais poderosas que empurram o homem na direção de seus semelhantes, há desde os primeiros anos e mesmo desde os primeiros meses de vida, a tendência essencialmente psicoterapêutica. Se pensarmos em termos winnicottianos, seria como um concern pré-original, uma espécie de preocupação com o outro anterior à própria constituição do aparelho mental do indivíduo, anterior, portanto, à configuração do próprio.Recordemos que Levinas nos remete ao âmbito do pré-original como sendo o do que expõe uma subjetividade a outra antes mesmo de haver um sujeito, antes mesmo de que se tenha constituído um Eu, com seus atos, suas intenções e suas defesas. O pré-original é a exposição traumática à alteridade, um começo de mim antes de Eu ter começado, e essa nos parece ser uma dimensão decisiva do que estamos denominando de contratransferência primordial.Como se verá adiante, não é necessário nem conveniente interpretar esses cuidados com o outro como emanando de alguma boa vontade intrínseca ao ser humano. Não se trata de samaritanismo, mas de sobrevivência em condições de desamparo em que a dependência em relação ao ambiente é extrema e em que a manutenção dos ‘objetos’ em bom estado e em bom funcionamento é essencial ao indivíduo.
Para Searles, os abusos pelos pais dessa função contratransferencial primária dos filhos e, principalmente, a incapacidade dos pais reconhecerem, admitirem e aceitarem a condição de serem ‘cuidados por seus bebês – o que pode incluir tanto educação como a cura de males físicos e mentais – figuram entre as mais importantes causas dos adoecimentos psíquicos. Há pais e mães, aliás, que reúnem os dois aspectos: exigem tudo dos filhos em, termos de cuidados, mesmo quando são bebês, mas se mostram não educáveis e incuráveis. (...)
No seu lugar as ‘tendências psicoterapêuticas’ precoces ou não operariam (interditadas pelo ódio ou pela inveja), ou operariam muito intensificadas, assumindo a forma de reparações maníacas, pela via das formações reativas. Nos dois casos estariam comprometendo bastante a possibilidade do paciente, ele mesmo, ser cuidado pelo analista, que por seu turno, se sentirá ameaçado em sua posição.” (p. 130; Figueiredo,2003)
[3]

5)
daqui em diante o leitor deve ir sozinho e ver onde chega...

Dr. Tomazelli

[1] François Rabelais, em Gargântua e Pantagruel[1] ("Os horríveis e apavorantes feitos e proezas do mui renomado Pantagruel, rei dos dipsodos, filho do grande gigante Gargântua”)
[2] Fédida, Pierre
Dos benefícios da depressão: elogio da psicoterapia. Tradução de Martha Gambini. – São Paulo: Escura, 2002.
[3] Figueiredo, Luís Cláudio
Psicanálise: elementos para a clínica contemporânea. São Paulo: Escuta, 2003